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ARTIGO
Prioridade ao terror afasta EUA da Ásia
SYLVIE KAUFFMANN
DO "MONDE"
Durante sua primeira campanha eleitoral, em 2000, o então candidato George W. Bush
foi interrogado sobre a política
externa dos EUA num debate
televisionado. "Quem é o presidente do Paquistão?" perguntou o jornalista.
Bush apresentou o ar sem jeito de um aluno que deixou de
fazer sua lição de casa. "É um
general", conseguiu articular,
com a sobrancelha franzida pela concentração. "Ele acaba de
ser eleito. Ahn... em todo caso,
assumiu o poder. Mas ele vai
estabilizar o país, sem dúvida."
Mu-shar-raf. Sete anos mais
tarde, George Bush não está
prestes a se esquecer desse nome, não mais que o general está
prestes a estabilizar seu país,
apesar dos US$10 bilhões recebidos dos EUA desde 2001 em
nome da "guerra mundial contra o terrorismo". Os atentados
do 11 de Setembro e a guerra no
Afeganistão transformaram
Musharraf no melhor amigo de
Washington na região.
Amigo imperfeito
Amigo imperfeito, é verdade,
mas elo essencial do dispositivo
anti-Al Qaeda. As reivindicações democráticas da oposição
paquistanesa colocaram a administração Bush numa posição delicada: como continuar a
apoiar esse elo essencial na luta
antiterrorista sem negligenciar
a promoção da democracia, que
também é, pelo menos teoricamente, um elemento essencial
da doutrina Bush?
A crise paquistanesa se soma
a uma longa lista de reveses sofridos pela política americana
na Ásia, que praticamente deixam na sombra o sucesso das
negociações sobre a Coréia do
Norte. O grande vizinho do Paquistão, Índia, está voltando a
questionar o acordo de cooperação nuclear que mantém com
os EUA, porque o primeiro-ministro Manmohan Singh não
quer correr o risco de fazer explodir sua frágil coalizão parlamentar com a esquerda apenas
para salvar a amizade da Índia
com os Estados Unidos. Esse
acordo era apresentado em
Washington como histórico
nas relações com a Índia, diante da ascensão da China.
Mais a leste, o governo do Japão deu ordem de meia-volta
aos navios que desde 2001 garantiam o apoio e o fornecimento de combustível à frota
americana no oceano Índico.
Essa missão, altamente simbólica para um país pacifista
devido ao apoio diplomático
que garantia à política americana de luta contra o terrorismo,
corre perigo em função da oposição do Partido Democrata do
Japão. Tanto em Nova Déli como em Tóquio, é a impopularidade da equipe Bush que levou
os governos favoráveis à colaboração com Washington a enfrentar dificuldades no plano
doméstico.
Segundo plano
A idéia predominante na Ásia
é que a guerra no Iraque e a obsessão americana pela "guerra
ao terror" monopolizaram as
forças e a energia dos americanos, deixando outras questões
em segundo plano.
A secretária de Estado, Condoleezza Rice, cancelou de última hora sua participação no
Fórum Regional Asiático, em
Manila, em função de preocupações mais urgentes no Oriente Médio, e o presidente Bush
avisou que não iria a uma cúpula dos países do Sudeste Asiático em setembro passado.
George Bush tentou recuperar o atraso em Sydney, em setembro, na cúpula do Fórum de
Cooperação Econômica Ásia-Pacífico. "A prova de que os senhores são amigos muito próximos", disse ele, "é que convido
a todos a virem a Crawford".
Ninguém duvida da atração
representada por um fim-de-semana no rancho presidencial
texano, mas o convite que, de
quebra, foi estendido também
ao número 1 de Mianmar, não
parece ter sido recebido com
entusiasmo delirante.
Consta que o presidente da
Indonésia, Susilo Bambang
Yudhyono (o SBY), o teria
achado pouco atraente.
Tudo isso seria divertido se a
questão dissesse respeito apenas a atritos de egos. Mas a ausência de engajamento e de
criatividade americanas na
Ásia tem conseqüências. Em
Mianmar, a rigidez da política
de sanções privou Washington
de suas alavancas para atuar sobre a junta militar. Hoje, é à
China que a comunidade internacional se volta para fazer
pressão sobre Mianmar.
E, no Sudeste Asiático, é também a China que preenche o vazio diplomático. Uma ofensiva
de charme de Pequim, somada
aos interesses econômicos de
ambas as partes, reforçou o peso da China em países que, não
obstante, têm laços fortes com
os EUA, especialmente em matéria de segurança.
"A Indonésia e o Paquistão
são vitais para derrotar o terrorismo", lembrou recentemente
o ministro da Defesa, Robert
Gates. É essa a crítica que se faz
aos americanos: que enxergam
tudo através do prisma do terrorismo. Muitos asiáticos querem também falar de meio ambiente, mudanças climáticas,
cooperação econômica e comércio. Em duas palavras: do
chamado "soft power".
Tradução de CLARA ALLAIN
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