São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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Pacto com EUA divide Parlamento em Bagdá

Acordo que prevê mais três anos de presença militar americana deve ser submetido quarta-feira ao Legislativo iraquiano

Bloco liderado por clérigo xiita promete barrar texto; analistas vêem aumento da violência sectária em caso de retirada americana


SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Negociado há um ano, o projeto de lei que pretende selar o último capítulo da presença militar estrangeira no Iraque chega ao Parlamento de Bagdá em meio a incertezas e tensões.
O texto, que delineia um cronograma de retirada dos cerca de 150 mil soldados americanos até o fim de 2011 (veja quadro ao lado), deve ser submetido à votação pelos 275 deputados iraquianos depois de amanhã.
Após meses de hesitação, o premiê Nuri al Maliki abraçou o texto e teceu alianças que podem facilitar a sua aprovação.
O premiê tem garantidos os apoios dos dois maiores blocos do Parlamento: a Aliança Iraquiana Unida, que representa os principais partidos xiitas do país, entre eles o Dawa, do próprio Maliki; e a Aliança do Curdistão, uma influente rede de agremiações curdas que tem no presidente iraquiano, Jalal Talabani, seu maior expoente.
Maliki espera contar ainda com a maior parte dos deputados da oposição -sunitas, esquerdistas e nacionalistas- que vêem com bons olhos a perspectiva de um compromisso de retirada americano, cinco anos e oito meses após a invasão que derrubou o ditador sunita Saddam Hussein. Mas elas queriam um pacto mais abrangente, que garantisse os direitos dos sunitas e laicos em um cenário dominado por xiitas.
Paradoxalmente, é do campo xiita que vem também a mais contundente oposição ao pacto. O partido do clérigo rebelde Moqtada al Sadr, que rejeita a idéia de cronograma e exige uma saída imediata dos EUA, tem 32 barulhentos deputados.
Na semana passada, eles impediram com gritos e insultos o presidente do Parlamento de ler os termos do acordo, que prometeram barrar.
Os sadristas, respaldados por outros partidos xiitas minoritários, ainda obtiveram o improvável apoio de grupelhos sunitas -feito raro num país marcado há décadas por violentas desavenças entre as facções.

Incógnita
O papel do Irã é uma das incógnitas nesta equação. O poderoso vizinho xiita, que tem estreitas relações tanto com o governo quanto com os sadristas, elogiou o acordo. Mas há suspeitas de que os iranianos estejam sabotando o trato nos bastidores, recorrendo até a pagamento de deputados.
Apesar das pressões contrárias, a projeção mais plausível é a de que o pacto seja aprovado e sancionado pelo presidente e seus dois vices -os três teoricamente podem vetá-lo.
A entrada em vigor do pacto pelo Parlamento iraquiano ainda neste ano é fundamental para selar as bases legais da permanência de militares dos EUA no Iraque quando expirar, no dia 31 de dezembro, o mandato atribuído pela ONU após a invasão. Caso não haja definição até lá, Bagdá deverá solicitar uma prorrogação do mandato.
A perspectiva de retirada levanta questionamentos sobre o futuro do Iraque, num momento em que o reforço de contingente americano no ano passado, aliado à cooptação de ex-guerrilheiros sunitas, levou a uma queda da violência no país.
"A questão é: "A presença dos EUA desestabiliza ou estabiliza o Iraque?". Há dois anos, a resposta parecia clara, mas hoje percebe-se que os militares americanos contribuíram muito para melhorar a situação no país", diz o historiador americano Peter Hahn, da Universidade de Ohio, questionando a capacidade das forças iraquianas de combater rebeldes.
A presença americana por mais três anos também seria um desafio para o presidente americano eleito, Barack Obama, que prometeu uma retirada em 16 meses. "No fundo, quando Obama assumir a Casa Branca [em janeiro] e perceber o quanto é difícil lidar com um cenário de guerra, ele ficará aliviado por encontrar um trato que lhe dê uma margem operacional maior", prevê Hahn.
O maior problema, segundo a analista americana Jessica Tuchman Mathews, do Carnegie Endowment for Peace, é que o acordo não estipula nada a favor da reconciliação nacional iraquiana. "O texto estimula a soberania, mas não elimina as tensões internas, que podem ressurgir com toda força."


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