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Queda no preço dos minérios empobrece cidade de Potosí
De 2005 a meados do ano passado, houve um "boom" na área da montanha Cerro Rico
Com a crise econômica, mineiros estão deixando Potosí rumo a outros locais; em poucos meses, caíram de 15 mil para apenas 2.000
DO ENVIADO A POTOSÍ
As bananas de dinamite continuam sendo vendidas sem
nenhum controle nas lojinhas e
nos camelôs de Potosí na rua
que dá acesso à legendária e
aparentemente inesgotável
montanha Cerro Rico, explorada já há quase cinco séculos. As
portinhas das casas de teto baixo e as mesinhas armadas nas
calçadas também expõem folhas de coca, capacetes, luvas e
outros acessórios indispensáveis para a extração de zinco,
prata, chumbo e estanho. O que
está faltando é mineiro.
"Olha o silêncio, agora só tem
silêncio", diz a vendedora Alice
Gutierrez, quando a Folha lhe
pergunta se suas vendas caíram. "E amanhã vai ser pior."
Até agosto, quando a mineração em Potosí ainda vivia o
"boom" mineiro iniciado em
meados de 2005, Gutierrez
vendia cerca de 30 bananas de
dinamite entre 6h e 10h da manhã, horário em que monta a
sua venda na calçada diante do
cortiço onde mora com dois filhos. Anteontem, não conseguiu vender nenhuma.
"Não ganho mais para comprar a carnezinha", diz Gutierrez, que vende cada dinamite
por 2,70 bolivianos (R$ 0,90).
Segundo ela, sua margem de lucro por unidade é de apenas
0,10 centavos de boliviano, o
equivalente a R$ 0,03.
Os números oficiais confirmam o silêncio das ruas de Potosí desde que o preço dos minérios começou a despencar,
principalmente o zinco. Segundo a estatal Comibol (Corporação Mineira da Bolívia), dos 15
mil mineiros que trabalhavam
nas cerca de 30 cooperativas
até meados do ano, apenas
2.000 continuam entrando nos
precários túneis em extenuantes jornadas de cerca de oito
horas sob a superfície.
Um deles é Ismael Morales,
16, que há três anos deixou os
estudos e a área rural de Potosí
para se aventurar no Cerro Rico. Enquanto esperava a van da
cooperativa que o levaria até a
mina, ele disse que, até agosto,
ganhava o equivalente a R$ 33
por dia. Ontem, receberia a
metade pelo mesmo trabalho.
"Se o preço do zinco não melhorar, vou buscar outro trabalho, em Santa Cruz. A maior
parte já foi embora daqui, para
a Argentina, para Cochabamba", afirma o adolescente, cuja
cooperativa Conpotosí emprega apenas 80 mineiros -meses
atrás, chegava a 180.
Há 20 anos, o principal modo
de exploração do Cerro Rico é
por cooperativas, fundadas pelos poucos mineiros que não
deixaram a cidade na crise de
1985 e passaram a explorar túneis cedidos pelo governo.
"O recente "boom" da mineração, que durou apenas dois
anos e meio, foi um efeito circunstancial e conjuntural da
crise instalada desde 1985", diz
o ex-governador do departamento de Potosí Sergio Medinaceli, em referência ao ano
em que os preços baixos expulsaram milhares de famílias. "A
exploração a partir de agora será apenas para a subsistência."
A queda brusca do preço dos
minerais também atingiu os
engenhos, empresas que compram a matéria-prima das cooperativas para o primeiro beneficiamento -dos 38 que funcionavam na cidade, apenas 11
continuam de portas abertas.
No setor imobiliário, um levantamento feito pelo jornal
"El Potosí" revelou que o preço
dos terrenos caiu pela metade.
Outro setor duramente atingido foi o dos transportistas,
que financiaram a compra de
caminhões para transporte de
minério no "boom". Hoje, com
a produção em queda livre, vários veículos ficaram ociosos, e
muitos estão sendo revendidos
a preços bastante baixos.
"Potosí e outras cidades mineiras são cíclicas. As pessoas
chegam quando há atividade
mineira e se vão quando deixa
de haver. É assim desde o nascimento de Potosí", diz Medinaceli sobre a cidade localizada
a mais de 4.000 metros acima
do nível do mar e fundada em
1545, logo depois que os espanhóis descobriram Cerro Rico,
então uma montanha de prata.
(FABIANO MAISONNAVE)
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