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SOB NOVA DIREÇÃO / IMPÉRIO EM XEQUE
Mundo refuta liderança "natural" de Obama
Militarismo e declínio econômico fizeram com que "bolha de poder" dos EUA, assim como a imobiliária, se rompesse
No seu discurso de posse, presidente disse que país está "preparado para liderar novamente", contrariando adeptos do multilateralismo
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
"E, assim, dizemos a todos os
povos e aos governos que nos
estão assistindo hoje, desde as
capitais mais grandiosas até o
pequeno povoado em que meu
pai nasceu: saibam que a América é amiga de cada país e cada
homem, mulher e criança que
busca um futuro de paz e de
dignidade, e saibam que estamos preparados para liderar
novamente."
São 60 palavras de um parágrafo solto no meio do discurso
de posse de Barack Obama como presidente dos EUA, na terça-feira, mas são as que mais
barulho vêm fazendo entre formadores de opinião progressistas, do autor britânico Thimoty
Garton Ash ao humorista norte-americano Jon Stewart, passando pelos especialistas em
relações exteriores Richard
Haass e Peter Beinart, entre
outros.
Depois de oito anos do unilateralismo belicista da dupla republicana George W. Bush-Dick Cheney, o democrata Barack Obama angariou boa parte
da boa vontade mundial e dos
votos domésticos com uma plataforma multilateral, a promessa de um mundo em que os
Estados Unidos dividem o centro de decisões com outros atores. Não um mundo em que o
país "está preparado para liderar novamente".
Obama repetiria as palavras
dois dias depois, na cerimônia
de posse de sua secretária de
Estado, Hillary Clinton, na
Chancelaria norte-americana.
Os EUA "podem estar prontos
para liderar novamente, mas e
se o mundo não estiver mais
disposto a seguir?", perguntou
Garton Ash em artigo publicado dois dias depois da posse.
"E se o mundo acreditar que
a América perdeu muito de seu
direito moral de liderar nos últimos oito anos, não tem mais o
poder que costumava ter e, de
qualquer maneira, nós estamos
caminhando para um sistema
global multipolar, como o próprio Conselho Nacional de Inteligência de Washington prevê?", indaga-se o britânico, citando relatório da entidade,
que reúne a comunidade de inteligência dos EUA, divulgado
no fim do ano passado.
É o que o autor Peter Beinart
chama de "bolha de poder" do
país, fazendo um paralelo com
a bolha imobiliária norte-americana cujo fim deu origem à
crise econômica atual. Tanto
uma como a outra estouraram,
defende ele, e Obama tem de
aprender a viver nos novos
tempos. "Bush e Dick Cheney
eram como os proprietários de
imóveis que se endividaram cada vez mais, certos de que eles
poderiam se safar porque o valor de sua casa iria crescer para
sempre", afirma.
Mas os compromissos militares e ideológicos dos EUA
cresceram muito além da capacidade do país de honrá-los, argumenta o autor de "The Good
Fight - Why Liberals -And
Only Liberals- Can Win the
War on Terror and Make America Great Again" (A Boa Luta
-Por Que os Progressistas -E
Só os Progressistas- Podem
Vencer a Guerra ao Terror e
Fazer a América Grande Novamente, HarperCollins, 2006).
Razões do estouro
"E agora a bolha do poder estourou. Militarmente, movimentos guerrilheiros selvagens
e espertos aprenderam a sangrar nosso dinheiro, nossas vidas e membros. Economicamente, os recursos estão escassos; é difícil pagar para transformar o Oriente Médio quando nós estamos afundados em
débito, tentando recuperar o
Meio-Oeste. E, ideologicamente, a democracia não parece
mais o destino inevitável de toda a humanidade."
Pela mesma linha segue Richard Haass, presidente do influente Council on Foreign Relations, centro de pensamento
baseado em Nova York, cujo
nome frequentou listas nos últimos dias para fazer parte da
alta diplomacia obamista em
formação. Para ele, o novo presidente vai enfrentar mais restrições do que qualquer de seus
antecessores recentes.
"A era da unipolaridade americana acabou", afirma Haass.
"Obama vai herdar um mundo
no qual o poder em todas as
suas formas -militar, econômica, diplomática e cultural- é
mais igualmente distribuído do
que nunca." Isso significa, acredita ele, que o ocupante da Casa
Branca vai ter de lidar com um
maior número de ameaças, vulnerabilidades e atores independentes que "podem resistir a se
sujeitar ao desejo dos EUA".
De mais a mais, nesse ponto a
retórica do novo presidente
lembrou a de seu antecessor.
Como disse mais candidamente o humorista Jon Stewart em
seu influente programa de TV,
no dia seguinte à posse, ao exibir o trecho do discurso: "Nós já
não ouvimos isso antes?"
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