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Brasileiros voltam ao Líbano sob tensão
Após a guerra entre Hizbollah e Israel e a fuga para o Brasil, quem retorna teme um país dividido à beira de conflito civil
Famílias que voltaram para recuperar casa, trabalho e estudos não conseguem retomar a rotina anterior à guerra do verão passado
TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BEIRUTE
Era para ser o verão perfeito.
E os libaneses estavam otimistas. Praias e montanhas tinham
sido invadidas por milhares de
turistas, e a capital, Beirute,
com suas ruas tradicionais e estilo de vida exótico, estava radiante. Mas a guerra entre Israel e Hizbollah mudou tudo.
Para muitos brasileiros que
viviam no país, o pesadelo de
deixar suas casas e fugir para o
Brasil foi traumático. Agora,
seis meses após a guerra, quem
voltou sente um país tenso.
A universitária Amanda Kaddissi, 18, é uma dos que voltaram. Ela também era mais uma
otimista no dia 12 de julho, data
de seu aniversário. Moradora
de Sehaile, ao norte de Beirute,
Amanda estava pronta para
aproveitar o verão quando percebeu que algo estava errado.
"Quando voltei para casa, fiquei
sabendo que Israel começara a
bombardear o Líbano. Meu
presente de aniversário foi a
guerra", ironizou a santista.
Amanda fez parte do grupo
de brasileiros, juntamente com
seus pais e irmãs, que foi retirado pela Embaixada brasileira,
levado para a Turquia e de lá
para o Brasil. Mas a decisão de
retornar foi difícil. "Decidimos
voltar porque nossas vidas estavam aqui. No Brasil, ficamos
num apartamento alugado.
Meu pai tinha o trabalho aqui,
nós tínhamos nossos estudos."
Em setembro, a família voltou. "Quando entrei na faculdade, vi que todos haviam mudado. O clima não era mais o mesmo, as pessoas estavam mais
deprimidas", afirma.
Para ela, o pós-guerra foi ainda pior, porque deixou as pessoas desesperançadas em relação ao futuro. Amanda não sentiu que o cotidiano voltara ao
normal. "Toda a crise política
estava presente entre as pessoas. Onde eu ia, via libaneses
que eram amigos começarem a
brigar por causa de facções políticas", lamenta. "Tenho medo
de uma guerra civil."
Desde dezembro, a oposição
ao premiê Fuad Siniora, liderada pela milícia radical xiita Hizbollah e apoiada por Síria e Irã,
pressiona por mais poderes e
pela formação de um governo
de unidade nacional.
Militantes dos partidos de
oposição mantêm acampamentos próximos à sede do governo exigindo a renúncia do
sunita Siniora, considerado por
eles pró-ocidental. No fim de
janeiro, houve confrontos entre oposição e simpatizantes do
governo nas ruas. Quatro pessoas morreram, e dezenas foram feridas. No último dia 13,
uma bomba na cidade cristã de
Birkfaya matou três pessoas.
Desconfiança
De volta ao Líbano no mês
passado, Diana Bazi, 29, designer gráfica, lembra dos dias cinzentos da guerra. Moradora de
Balloune, também ao norte de
Beirute, ela se viu sem emprego
quando a empresa em que trabalhava fechou por causa do
conflito. Sua vida foi radicalmente mudada. "Antes eu passeava, trabalhava na região de
Beirute, conhecia pessoas e
conversava. Hoje tudo mudou,
tenho até medo de sair", desabafa a goiana de Anápolis.
A decisão de deixar o Líbano
durante a guerra veio quando
Israel bombardeou uma ponte
perto de sua cidade. "Para mim
foi traumático, tive medo de
pegar um ônibus e ser atingida." Ela e uma irmã rumaram
para a Turquia. "Meus pais e
meu irmão ficaram, pois não
queriam deixar a casa."
Se no Brasil, sem trabalho,
Diana não se sentiu bem, voltar
ao Líbano não significou dias
melhores. Com a antiga empresa fechada, ela continua desempregada. "Não faço nada, fico
em casa e vejo televisão. Com a
violência e a ameaça de conflito
aqui dentro do país, não sei que
vou fazer", diz.
Ela também acha que as pessoas mudaram. "Os libaneses
que conheço estão mais quietos, tristes e tensos." Para Diana, há uma desconfiança geral.
"Eu mesma não sei mais em
quem confiar, porque qualquer
pessoa pode ser militante de alguma facção política." Ela pensa em retornar ao Brasil. "O Líbano não tem um presente, então não tem um futuro."
Segundo o pesquisador brasileiro Roberto Khatlab, há 21
anos no Líbano, mais de 3.000
brasileiros foram removidos
durante a guerra. "Foi a maior
operação de repatriação brasileira desde a Segunda Guerra."
Os dados estão contidos no relatório "Imigração, reimigração, retirada", publicado pelo
Centro Libanês de Pesquisa de
Imigração da Universidade de
Notre Dame. Mas não há dados
sobre brasileiros que voltaram.
"Muitos ficaram no Brasil,
outros voltaram, mas não houve contato para que pudéssemos cadastrá-los", diz Khatlab.
Outro brasileiro que retornou foi o estudante de Engenharia de Computação e Comunicação Anas Ihsan Mohamad Ali, 21, de Soultan Yakoub,
no vale do Bekaa, leste do país.
"Não tenho medo de uma
guerra contra Israel, mas um
conflito dentro do país entre libaneses seria o fim", afirma,
lembrando a guerra civil que
durou de 1975 a 1990.
O estudante do ABC paulista
retornou ao Líbano porque faltava um ano de curso para se
formar. "No Brasil não conseguiria transferir meu curso. Resolvi voltar ao Líbano." No retorno, em setembro, Ali não se
surpreendeu com a divisão política. "Antes da guerra eles já
estavam divididos, e agora o
país está tomado por muito
ódio entre as duas partes."
Quando a guerra começou,
Ali ia para o aeroporto para
uma viagem de férias à Holanda. No caminho, soube do bombardeio ao aeroporto. Imediatamente voltou ao Bekaa e ficou cinco dias em Chtaura até
ir, de táxi, até a Síria.
"Soube que minha cidade havia sido atacada", diz, afirmando que não perdoaria os governantes se jogassem o país numa nova guerra civil. "Deus me livre, fugiria de novo."
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