São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

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TRANSIÇÃO EM CUBA / SUCESSÃO EM FAMÍLIA

Eleito, Raúl sinaliza mudanças na economia

Confirmado no cargo, novo líder diz que situação econômica é "insustentável", mas promete consultar o irmão sobre alterações

Novo comandante promete acabar com "proibições simples" em breve; seu número dois será "guardião ideológico" da revolução

Alejandro Ernesto/Efe
Confirmado no cargo, Raúl Castro discursa no Parlamento da Ilha


LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA

Na Cuba pós-Castro que a burocracia comunista quer fazer crer que será realidade daqui em diante, nada poderia ser mais emblemático do que a primeira página do jornal oficial "Juventud Rebelde" que circulou ontem, dia em que, depois de 49 anos de poder incontrastável, Fidel Castro, 81, foi substituído na presidência do Conselho de Estado, órgão máximo de poder na ilha, por seu irmão Raúl Castro. Nele se vê um exército armado de fuzis empunhados por dezenas de "Fidéis Castros", encimados pela frase: "A Revolução necessita agora e no porvir de muitos "Fidéis'".
E foi um "Fidel" com DNA e tudo, o irmão mais novo dele, de 76 anos, que se sentou na cadeira de presidente do Conselho de Estado, agora como titular do cargo, eleito pela 7ª legislatura da Assembléia Nacional do Poder Popular que se reuniu ontem. Tudo como se esperava desde que, há anos, Fidel disse que o irmão o sucederia.
Fidel, aliás, não esteve presente na Assembléia. Mas enviou seus votos por escrito. Votou em Raúl por certo, já que o novo presidente, como costuma acontecer nos escrutínios de partido único, ganhou com 100% dos votos.
Chefe das Forças Armadas Revolucionárias (FAR) de Cuba, Raúl estava no comando do país desde julho de 2006, quando, doente, Fidel lhe passou temporariamente o poder, depois de uma cirurgia intestinal.

Mudanças
Raúl não se apresentou com o traje verde-oliva que se fundiu à imagem do irmão, assim como a barba, que o ex-guerrilheiro disse que rasparia no dia em que se consumasse a construção do socialismo em Cuba. Nunca raspou os pêlos, que entretanto ficaram finos e ralos.
Só com o bigode tradicional, Raúl apareceu de terno escuro bem cortado, gravata clara e camisa social branca, no pronunciamento que fez pela TV oficial depois de sua eleição pelos 614 deputados reunidos na Assembléia Nacional, no Palácio das Convenções de Havana, em uma das mais restritas áreas da capital, o bairro de Miramar.
No total, foram 43 minutos de discurso (pouco para os padrões castristas, de cinco horas), em que Raúl leu com voz firme texto preparado com antecedência. Chegou a defender um Partido Comunista Cubano "mais democrático". Mas qualquer ilusão reformista desfez-se na mesma frase, quando o novo líder reafirmou disposição de que o partido continue a ser o único legalizado na ilha.
Raúl qualificou de "irracionais e insustentáveis" os preços subsidiados da "libreta" de racionamento vigente desde a revolução de 1959, o que sugere um aumento no custo de vida do cubano médio.
Em contrapartida, disse pretender elevar o valor dos salários, de modo a cobrir as necessidades das famílias. "Mas isso só se conseguirá fazendo crescer a economia" -e não precisou data para que nada ocorra. Nem o reajuste dos preços nem o aumento de salários.
No mesmo capítulo da economia, atacou a dualidade monetária em Cuba, pela qual coexistem duas moedas, uma (voltada para o turismo) valendo 25 vezes mais que a outra (voltada para os cubanos).
Evasivo, Raúl prometeu para as próximas semanas o início da eliminação de proibições "mais simples" -não disse quais-, mas salientou que outras -também não disse quais- demorarão mais para ser levantadas, pois estão relacionadas à defesa nacional contra agressões externas -especificamente, ele mencionou as americanas, como esperado.
O novo presidente defendeu "uma estrutura estatal mais compacta e funcional, com um número menor de organismos da administração central e uma melhor distribuição das funções", com vistas a "tornar mais eficiente a gestão do governo". O objetivo, disse ele, é "satisfazer as necessidades básicas da população, tanto materiais como espirituais, partindo do fortalecimento do crescimento sustentado da economia".
Dos 614 deputados da Assembléia Nacional, pelo menos 80% nasceram ou foram educados depois da vitória da revolução de 1959. Mas o comando do país ficará mesmo nas mãos da velha guarda. Além de Raúl, a eleição de José Ramón Machado Ventura, 77, ex-combatente guerrilheiro e membro do Birô Político do PCC, mostrou que o núcleo duro dos revolucionários não está disposto a se aposentar. No fim da assembléia, como não podia faltar, veio o grito "Viva Fidel". Unânime.


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