São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

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Kosovares da diáspora festejam independência

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

O comerciante kosovar Arsim Gashi tem 37 anos, quase metade deles vividos em Genebra. Em 1991, depois de desertar do Exército sérvio por se recusar a lutar uma guerra que não considerava sua, fugiu para a Suíça, abandonando a família e um país que desmoronava.
Nesta semana, Arsim se juntou a uma multidão de expatriados espalhada pela Europa que celebrou de longe o nascimento de seu país, o sétimo a surgir dos escombros da antiga Iugoslávia. Assim como a maioria dos que formam essa diáspora de quase meio milhão de pessoas, ele pretende continuar a festa a distância.
"Minha vida é aqui", diz o negociante de diamantes, protegido do frio em um grosso casaco com gola de pele. "Quando a independência foi declarada, liguei para minha mãe, que ficou em Kosovo, e choramos de felicidade. Mas nós dois sabemos que não vou voltar."
Mesmo para uma mãe saudosa, a escolha de Arsim não é difícil de entender. Afinal, como trocar a estabilidade da Suíça, uma das dez economias mais ricas do mundo, pela frágil euforia de um país com metade da população desempregada, mergulhado em corrupção e dependente em tudo das benesses de seus padrinhos ocidentais?
Os números mostram que talvez seja melhor para quem ficou em Kosovo que seus parentes continuem no exílio, mantendo o fluxo de dinheiro para a pátria de origem. Segundo pesquisa de dezembro do Fórum 2015, as remessas da diáspora são responsáveis por 14% do PIB do território.
O mesmo estudo mostra que a grande maioria dos kosovares no exterior está concentrada na Alemanha (39%) e na Suíça (23%). O impacto dessa onda migratória reforçou alguns preconceitos, ajudados por estatísticas que mostram a ligação entre estrangeiros e crime.

Aversão
São números que a direita nacionalista não hesita em usar. Na semana passada, a UDC, que tem a maior bancada no Parlamento, apresentou petição com mais de 200 mil assinaturas para modificar a lei, permitindo a expulsão automática de estrangeiros condenados por crimes como estupro, assassinato e tráfico de drogas.
Considerada racista pela esquerda, a proposta é resultado de uma visão sem maquiagem da realidade, rebate a UDC. "Se 50% dos delitos no país são cometidos por estrangeiros, que por sua vez só compõem 20% da população, a conexão entre crimes e estrangeiros me parece óbvia", disse à Folha Alain Hauert, porta-voz da UDC.
O partido causou polêmica durante a última campanha com cartazes que mostravam o estrangeiro como uma ovelha negra sendo empurrada para fora da bandeira suíça.
Um caso recente de violência chocou a opinião pública e deu força ao discurso direitista defendido pelo partido de Hauert, além de piorar a imagem dos imigrantes dos Bálcãs.
No começo do mês, um estudante foi espancado até a morte por três jovens croatas, durante o Carnaval de Locarno.
Na semana passada, pesquisa feita pelo jornal "Le Matin" indicou que 69% dos entrevistados são favoráveis à expulsão de estrangeiros que cometem crimes em território suíço.
Amparados por fatos ou reféns de preconceitos, a verdade é que muitos suíços desenvolveram uma aversão especial aos imigrantes da antiga Iugoslávia, entre eles os kosovares.
"A maioria tem envolvimento com drogas e roubo", diz Richard, funcionário público que não revela o sobrenome. "Agora que têm seu próprio país, porque não voltam para lá?"
Janine Dahinden, estudiosa de migração da Universidade de Neuchatel, diz que os preconceitos variam ao sabor das transformações demográficas.
"Nos anos 60, era contra os italianos. Hoje, é contra os imigrantes dos Bálcãs, apesar de pelo menos um quinto deles já ter nascido na Suíça", diz.


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