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Brasil só blinda amigos, diz ex-chanceler
Luis Felipe Lampreia diz que governo Lula é omisso com violações a direitos humanos de aliados e estridente com as de outros países
Ex-ministro do governo FHC cobra condenação de Brasília
a morte de dissidente cubano após jejum e critica política de diálogo com ditaduras
DA REPORTAGEM LOCAL
Chanceler no governo Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) entre 1995 e 2001, Luis
Felipe Lampreia afirma que o
Brasil usa critérios distintos
para avaliar performances na
questão dos direitos humanos:
é omisso quando se trata de
países amigos e pode chegar a
ser "estridente" com os demais.
Ontem, ele defendeu que o
Itamaraty se manifeste sobre a
morte do prisioneiro político
cubano Orlando Zapata Tamayo após 85 dias de greve de fome. Afirmou que a abordagem
do Brasil, que defende o engajamento como opção mais frutífera do que a crítica pública, é
"inútil". "Eles são uma ditadura. Não adianta tentar influir,
conversar."
Em visita a Cuba, em 1998,
Lampreia se encontrou com
um dissidente cubano, para irritação de Fidel Castro. Foi o
primeiro a fazê-lo desde a redemocratização brasileira, num
episódio isolado na relação
Brasília-Havana sob FHC, que
também sofreu ataques à época
por não criticar publicamente
atos do governo peruano de Alberto Fujimori (1990-2000).
(FLÁVIA MARREIRO)
FOLHA - Na sua avaliação, a diplomacia brasileira deveria ter se pronunciado sobre a morte do prisioneiro político em Havana?
LUIS FELIPE LAMPREIA - Certamente a diplomacia brasileira de alguma forma deveria se manifestar, porque ela tem tido dois
pesos e duas medidas. Quando
são países com os quais simpatiza, como é o caso de Cuba, não
fala nada, embora haja violações evidentes de direitos humanos. Quando o caso é com
países com os quais ela não
simpatiza tanto, ela é capaz de
ser bem estridente. Realmente
é uma questão de critério e de
medida que não é observada. O
tema direitos humanos é um
assunto central na Constituição brasileira, para o povo brasileiro. É um dos pilares principais da diplomacia brasileira
que deveria ser respeitado de
uma maneira mais equilibrada,
não de maneira tão seletiva.
FOLHA - O sr. foi o único chanceler
a se reunir com integrantes da oposição cubana desde a redemocratização. Por que resolveu fazê-lo?
LAMPREIA - É a coisa mais normal que o governo brasileiro
converse com as pessoas que
não estão no governo. Quando
estive lá, eu recebi o presidente
da Comissão de Direitos Humanos para uma conversa e
mais nada. Os cubanos ficaram
muito irritados porque eles são
um regime ditatorial. Quando
Fidel Castro vinha aqui, se encontrava com a oposição, e
nunca ninguém disse nada.
FOLHA - O governo Lula já disse,
em outros episódios, que a crítica
pública é contraproducente e que a
melhor aposta é o engajamento. O
que sr. diz?
LAMPREIA - [Falando em] público ou privado, os cubanos só fazem o que querem. Eles são
uma ditadura. Não adianta tentar influir, conversar. É inútil.
FOLHA - O sr. repetiria esse raciocínio para a relação entre Brasil e Irã,
ou nesse caso entram outros fatores
na avaliação?
LAMPREIA - Não adianta nada
também. Eles também fazem o
que querem, isso está muito
evidente. Desde a visita do
[presidente Mahmoud] Ahmadinejad, já anunciaram que estão enriquecendo urânio a mais
de 20%, dez reatores adicionais. Só faltou anunciarem que
estão fazendo a bomba, que na
verdade é o que estão fazendo.
FOLHA - E porque esse esforço? Ingenuidade? Erro de cálculo?
LAMPREIA - As razões disso eu
também me pergunto.
FOLHA - O governo Lula diz que deve haver uma relação estratégica
com Cuba, prega ser o "sócio número 1" da ilha. Qual a sua avaliação?
LAMPREIA - O governo brasileiro tem há muito tempo, desde o
governo Fernando Henrique
Cardoso [1995-2002], uma posição contrária ao embargo que
os EUA impõem a Cuba e o considera injusto e responsável
por muitos dos problemas cubanos. Mas ter relações estratégicas? De forma nenhuma. Cuba é um país desimportante.
Temos de ter boas relações com
eles porque fazem parte da família latino-americana.
FOLHA - E do ponto de vista econômico. Mencionam que, no longo
prazo, Cuba será uma porta de entrada para o mercado americano...
LAMPREIA - Muito menos. São
pendores ideológicos, antigos.
Não é de hoje.
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