São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Brasil só blinda amigos, diz ex-chanceler

Luis Felipe Lampreia diz que governo Lula é omisso com violações a direitos humanos de aliados e estridente com as de outros países

Ex-ministro do governo FHC cobra condenação de Brasília a morte de dissidente cubano após jejum e critica política de diálogo com ditaduras


DA REPORTAGEM LOCAL

Chanceler no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) entre 1995 e 2001, Luis Felipe Lampreia afirma que o Brasil usa critérios distintos para avaliar performances na questão dos direitos humanos: é omisso quando se trata de países amigos e pode chegar a ser "estridente" com os demais.
Ontem, ele defendeu que o Itamaraty se manifeste sobre a morte do prisioneiro político cubano Orlando Zapata Tamayo após 85 dias de greve de fome. Afirmou que a abordagem do Brasil, que defende o engajamento como opção mais frutífera do que a crítica pública, é "inútil". "Eles são uma ditadura. Não adianta tentar influir, conversar."
Em visita a Cuba, em 1998, Lampreia se encontrou com um dissidente cubano, para irritação de Fidel Castro. Foi o primeiro a fazê-lo desde a redemocratização brasileira, num episódio isolado na relação Brasília-Havana sob FHC, que também sofreu ataques à época por não criticar publicamente atos do governo peruano de Alberto Fujimori (1990-2000). (FLÁVIA MARREIRO)

 

FOLHA - Na sua avaliação, a diplomacia brasileira deveria ter se pronunciado sobre a morte do prisioneiro político em Havana?
LUIS FELIPE LAMPREIA
- Certamente a diplomacia brasileira de alguma forma deveria se manifestar, porque ela tem tido dois pesos e duas medidas. Quando são países com os quais simpatiza, como é o caso de Cuba, não fala nada, embora haja violações evidentes de direitos humanos. Quando o caso é com países com os quais ela não simpatiza tanto, ela é capaz de ser bem estridente. Realmente é uma questão de critério e de medida que não é observada. O tema direitos humanos é um assunto central na Constituição brasileira, para o povo brasileiro. É um dos pilares principais da diplomacia brasileira que deveria ser respeitado de uma maneira mais equilibrada, não de maneira tão seletiva.

FOLHA - O sr. foi o único chanceler a se reunir com integrantes da oposição cubana desde a redemocratização. Por que resolveu fazê-lo?
LAMPREIA
- É a coisa mais normal que o governo brasileiro converse com as pessoas que não estão no governo. Quando estive lá, eu recebi o presidente da Comissão de Direitos Humanos para uma conversa e mais nada. Os cubanos ficaram muito irritados porque eles são um regime ditatorial. Quando Fidel Castro vinha aqui, se encontrava com a oposição, e nunca ninguém disse nada.

FOLHA - O governo Lula já disse, em outros episódios, que a crítica pública é contraproducente e que a melhor aposta é o engajamento. O que sr. diz?
LAMPREIA
- [Falando em] público ou privado, os cubanos só fazem o que querem. Eles são uma ditadura. Não adianta tentar influir, conversar. É inútil.

FOLHA - O sr. repetiria esse raciocínio para a relação entre Brasil e Irã, ou nesse caso entram outros fatores na avaliação?
LAMPREIA
- Não adianta nada também. Eles também fazem o que querem, isso está muito evidente. Desde a visita do [presidente Mahmoud] Ahmadinejad, já anunciaram que estão enriquecendo urânio a mais de 20%, dez reatores adicionais. Só faltou anunciarem que estão fazendo a bomba, que na verdade é o que estão fazendo.

FOLHA - E porque esse esforço? Ingenuidade? Erro de cálculo?
LAMPREIA
- As razões disso eu também me pergunto.

FOLHA - O governo Lula diz que deve haver uma relação estratégica com Cuba, prega ser o "sócio número 1" da ilha. Qual a sua avaliação?
LAMPREIA
- O governo brasileiro tem há muito tempo, desde o governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002], uma posição contrária ao embargo que os EUA impõem a Cuba e o considera injusto e responsável por muitos dos problemas cubanos. Mas ter relações estratégicas? De forma nenhuma. Cuba é um país desimportante. Temos de ter boas relações com eles porque fazem parte da família latino-americana.

FOLHA - E do ponto de vista econômico. Mencionam que, no longo prazo, Cuba será uma porta de entrada para o mercado americano...
LAMPREIA
- Muito menos. São pendores ideológicos, antigos. Não é de hoje.


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