São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ONDA DE REVOLTAS

Queda de ditador fortaleceria tribos líbias

Saída de Gaddafi permitiria surgimento de lideranças tradicionais, de acordo com analistas ouvidos pela Folha

Especialistas veem risco de guerra civil e divisão do território; poder para um dos filhos do ditador não está excluído

SAMY ADGHIRNI
AMARO GRASSI
DE SÃO PAULO

Tribos no comando, guerra civil e fragmentação do território e do Estado são alguns dos possíveis cenários na Líbia em caso de queda do ditador Muammar Gaddafi.
O regime líbio atual é tão centrado na figura de Gaddafi que o país não tem Constituição, instituições sólidas nem forças de oposição.
Segundo analistas consultados pela Folha, uma eventual queda do ditador fortaleceria principalmente as tribos, componente central da sociedade líbia e única força com real poder mobilizador.
"O mais provável, se Gaddafi cair, é que o poder passe a se organizar em torno das lideranças tribais, numa forma mais natural que o sistema atual", diz Roxane Farmanfarmaian, da Universidade Cambridge.
"Com exceção de Trípoli e Benghazi, a Líbia é um grande deserto povoado por tribos que haviam sido marginalizadas nos governos pós-coloniais", afirma.
A pesquisadora afirma que a Líbia não seria o primeiro país a ser governado com base no sistema tribal.
"A Jordânia é um compêndio de clãs, e a própria família Hashemita, no poder, é uma tribo que veio da antiga Arábia e vem sendo pressionada por outras tribos", diz Farmanfarmaian.
Autor de sete livros sobre a Líbia, Ronald Bruce St John pondera que um sistema de gestão tradicional deveria ser apenas provisório.
"Não há sucessores óbvios de Gaddafi. Espero que a liderança tribal que surgir se una a outros grupos para compor um governo de transição responsável por escrever uma Constituição e promova eleições livres até a formação de um governo permanente", afirma.
Segundo St John, existem ao menos cem tribos na Líbia, cada vez mais hostis ao governo, apesar de Gaddafi ter tentado nos últimos anos comprar seu apoio com dinheiro e bolsas de estudos.
Mas o regime ainda tem uma sólida base de apoio, e há sério risco de conflito entre tribos, aponta Moncef Djaziri, da Universidade de Lausanne (Suíça).
"As tribos são mais apegadas à terra do que à nação líbia, uma ideia abstrata para elas. Há tribos no leste que se solidarizaram com os manifestantes e outras, a oeste e no sul, que continuam leais a Gaddafi. Em caso de vácuo político, esses grupos podem entrar em conflito por causa do petróleo".
Djaziri afirma que uma guerra aberta entre tribos de regiões diferentes poderia levar a uma "anarquia generalizada" e até à divisão do território nacional em diferentes zonas de poder.
O pesquisador, no entanto, insiste em que há vários outros desfechos possíveis. Ele afirma que os militares podem querer tomar o poder à força e diz que ainda há chances de o regime líbio tentar se reinventar com um dos filhos sucedendo Gaddafi -cenário excluído por Farmanfarmaian.
Um cenário com desfecho semelhante ao da Tunísia e do Egito, onde a queda do ditador deu lugar a disputas entre forças políticas mais próximas do modelo ocidental, é dado como improvável.
A Líbia não tem uma oposição forte nem organizada.
"Para consolidar seu poder, Gaddafi pulverizou todas as esferas do país, inclusive na sua própria família", diz Farmanfarmaian.
O único partido político autorizado no país é o governista Congresso Geral do Povo, e as siglas exiladas, religiosas e seculares, não têm representatividade.


Texto Anterior: Fronteira egípcia é rota de fuga para milhares de estrangeiros
Próximo Texto: Análise: Vácuo prolongado de poder é cenário mais preocupante
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.