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A verdade chocante
ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"
O s exércitos anglo-americanos andam entregando ao
Iraque sua propaganda política de
bandeja. Primeiro, no sábado, ouvimos da BBC que Umm Qasr,
um pequeno porto iraquiano no
Golfo Pérsico, tinha "caído". Então nos disseram -mais uma vez
foi a BBC- que Nassiriah tinha
sido capturada. Em seguida, o
correspondente da BBC nos informou que a cidade tinha sido
"assegurada" -e meu velho desconfiômetro jornalístico começou a apitar.
O porquê de a BBC utilizar a enganosa expressão militar "assegurada" também é um enigma para
mim. A idéia é que "assegurada"
soe quase como "capturada", mas
o fato é que o termo significa que a
cidade foi semicercada, que o
Exército, no máximo, entrou em
sua periferia. Dito e feito: menos
de 24 horas depois, a cidade muçulmana xiita situada a oeste da
junção dos rios Tigre e Eufrates
mostrava estar muito "desassegurada". Na realidade, pelo menos
500 soldados iraquianos continuavam a resistir dentro dela, tendo o apoio de tanques.
Com que alegria o vice-presidente iraquiano, Taha Yassin Ramadan, informou a nós todos, ontem, que "eles alegaram ter
capturado Umm Qasr, mas agora
vocês sabem que é mentira". Com
que felicidade Mohamed Said Al
Sahaff, o ministro da Informação,
se gabou ontem de que Basra
"continua em mãos do Iraque",
que "nossas forças" em Nassiriah
continuavam a lutar.
E eles podiam perfeitamente se
gabar, já que, apesar de todo o papo furado falado por americanos
e britânicos no Qatar, o que os iraquianos disseram a esse respeito
era verdade. As alegações iraquianas usuais de que teriam derrubado aeronaves americanas e britânicas -quatro supostamente
abatidas perto de Bagdá e uma
quinta na região de Mosul- ganharam credibilidade pelo fato de
o Iraque ter conseguido provar
que o suposto colapso de suas forças no sul do país era falso.
Sabemos que os EUA estão mais
uma vez utilizando munições de
urânio enfraquecido no Iraque,
como fizeram em 1991. Ontem a
BBC nos disse que os fuzileiros
navais americanos tinham convocado um avião A-10 para combater "bolsões de resistência"
-mais um exemplo de jargão
militar empregado pela BBC-,
mas deixou de mencionar que o
A-10 usa munição de urânio enfraquecido. Assim, pela primeira
vez desde 1991, nós -o Ocidente- estamos espalhando aerossóis de urânio em explosões em
campos de batalha no sul do Iraque, e ninguém está nos informando disso. Por que não?
E de onde, pelo amor de Deus,
vem essa frase infeliz e totalmente
desonesta "forças da coalizão"?
Não existe coalizão nenhuma nesta guerra do Iraque. Há os americanos, os britânicos e um punhado de australianos. E só.
A "coalizão" formada na Guerra do Golfo de 1991 não existe. Esta é uma guerra anglo-americana.
Os iraquianos são astutos o suficiente para se lembrarem disso.
Num primeiro momento, anunciaram que militares americanos
ou britânicos capturados seriam
tratados como mercenários, decisão essa que o próprio Saddam
corrigiu ontem, quando declarou
que todos os prisioneiros serão
tratados de acordo com as Convenções de Genebra.
O fim de semana não foi muito
bom para Bush e Blair. Tampouco
para Saddam, é claro, embora ele
já esteja acostumado com isso. E
mesmo os jornalistas mais corajosos que vêm tentando verificar o
que está acontecendo por conta
própria, sem a proteção de seus
exércitos -como a equipe da
ITV que estava perto de Nassiriah- correm perigo de vida.
Aqui vai, então, a pergunta que
atormenta alguém que acreditava
ser possível que Bagdá pudesse
cair e que todos nós pudéssemos
acordar e encontrar o Exército
iraquiano dissolvido e os americanos andando pela rua Saadun,
portando fuzis nos ombros. Se os
iraquianos conseguem resistir
por quatro dias contra uma força
tão avassaladora em Umm Qasr,
se conseguem continuar a resistir
em Basra e Nassiriah, por que as
forças de Saddam não devem
continuar a combater em Bagdá?
A história iraquiana não será
completa sem uma nova história
de "martírio" na batalha do país
contra forças estrangeiras de ocupação. Seja qual for o destino de
Saddam, os combatentes de
Umm Qasr serão tema de lendas e
canções no futuro. Os egípcios fizeram o mesmo com seus homens mortos em Suez, em 1956.
É claro que tudo talvez não passe de erro de cálculo. É possível
que o castelo de cartas iraquiano
seja mais frágil. Mas a guerra rápida e fácil, o conflito do "choque e
pavor" -a frase utilizada pelo
Pentágono é um slogan tirado das
páginas da revista nazista "Signal"- já não parece ser tão realista assim. As coisas estão dando errado. Não estamos dizendo a verdade. E os iraquianos estão se beneficiando disso.
Tradução de Clara Allain
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