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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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Choque, pavor e euforia

HARLAN ULLMAN
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

O conflito que agora se desenrola em volta de Basra, Nassiriah e Umm Qasr é a guerra que tem a mais intensa cobertura jornalística da história. Jornalistas "embutidos" acompanham forças terrestres da coalizão que se dirigem rapidamente a Bagdá e estão estacionados em navios de guerra que lançam ataques aéreos e de mísseis desde o mar. A TV mostra o desenrolar dos fatos ao vivo, 24 horas por dia.
Mesmo assim, o mundo que assiste à guerra pela TV vê apenas uma parte pequena da mais complexa e ambiciosa operação militar já empreendida. E aquilo que vê não é universalmente interpretado da mesma maneira.
Esta é uma guerra muito diferente de qualquer outra já travada pelos EUA. Falta a ela uma ""casus belli". Não houve Pearl Harbor, nem um ataque nazista não provocado à Polônia. Tampouco, por falar nisso, há prova irrefutável de malfeito por parte de Saddam. O objetivo é depor o presidente e tirar dele suas armas de destruição em massa, não necessariamente destruir o Exército iraquiano.
Ademais, a tecnologia e a filosofia usadas para esta guerra são distintas. O número de armas de precisão disponíveis é dez vezes maior do que as que havia na Guerra do Golfo, em 91.
E a filosofia por trás da escolha de alvos é outra. A destruição ao atacado foi substituída por ataques seletivos -mas, mesmo assim, intensos- contra pontos vitais do território iraquiano.
Conforme anunciou o Pentágono, a estratégia dos EUA é conhecida como "choque e pavor". O Ministério da Defesa britânico, manifestando a discrição britânica habitual, prefere o termo mais brando "operações baseadas nos efeitos". Seja qual for o termo usado, o método é o mesmo e semelhante ao caratê: a aplicação de níveis intensos e decisivos de força no grau mínimo possível para alcançar o efeito máximo.
Todos os elementos do poder psicológico e físico são usados para persuadir, coagir ou forçar o adversário a curvar-se à vontade dos Estados Unidos.
Para mim, co-presidente do grupo e autor principal do livro que primeiro propôs a doutrina do "choque e pavor", esta guerra possui significado especial. A filosofia subjacente à doutrina consiste em vencer de maneira decisiva, rápida e com custos baixos em termos de vidas e de devastação provocada pela guerra. Na guerra, entretanto, não existem garantias.
A população e o governo dos EUA podem constatar que a guerra avança muito bem. O Exército e o regime de Saddam foram abalados pela gama assustadora das armas e da supertecnologia americanas. Forças terrestres se aproximam de Bagdá. Acredita-se que as forças especiais já tenham tomado pistas de pouso e outros objetivos importantes.
Mas a visão da guerra que os EUA têm não é universalmente compartilhada no exterior. Aqueles que se opõem à guerra criticam a forma como ela vem sendo conduzida, por mais humana seja. Para eles, "guerra humana" é uma contradição.
De fato, a superioridade armada dos EUA e a relativa ausência de resistência organizada estão sendo interpretadas como o valentão espancando o indefeso.
A ironia é que, de acordo com essa leitura, Saddam e seu regime bandido emergem não como vilões, mas como vítimas. Para setores contra a guerra, a frase "choque e pavor" virou objeto de ridículo e repúdio, um convite à formulação de críticas à "conduta brutal e desumana" dos EUA.
Com alegados 3.000 alvos para destruir, os ataques são comparados aos piores bombardeios da 2ª Guerra e vistos como tentativas de aterrorizar e matar iraquianos inocentes. O fato de que nada poderia estar mais longe da cabeça dos planejadores da guerra americanos não faz diferença.
Está acontecendo um conflito de culturas: a quase euforia vista nos EUA bate de frente com a crescente desconfiança no exterior de que a intenção dos EUA seja fazer uso irrestrito da força avassaladora. Esse conflito só vai se agravar, por mais rápido que o Iraque seja liberto de Saddam e por mais baixo que seja o custo.
Mas há uma questão mais importante em jogo. Poucos duvidam de que a guerra será ganha pela coalizão. Mas não existe a mesma certeza quanto à paz que virá a seguir.
Para os EUA, uma conclusão é clara. Uma vez que a vitória em Bagdá esteja garantida, os EUA precisam conquistar os corações e mentes dos iraquianos. Como vencer essa luta é algo ainda não definido. E não há nenhuma estratégia paralela à do "choque e pavor" para implementar a paz. Se os EUA tentarem americanizar o Iraque, será desastroso.
O presidente Bush apostou mais do que sua Presidência nesta guerra -apostou a nação. Mesmo que a vitória seja rápida, isso será apenas a primeira fase numa campanha muito mais prolongada para levar justiça e estabilidade a uma região infestada pelas formas mais virulentas de ódio que o mundo já conheceu.


Harlan Ullman é membro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e co-autor de "Shock and Awe: Achieving Rapid Dominance" (Choque e Pavor: Obtendo a Dominância Rápida)

Tradução Clara Allain



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