São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Bloco europeu festeja 50 anos de burocracia e paz

Comunidade foi criada em Roma em 1957; meta plenamente alcançada evitou guerras pela interdependência econômica

Tratado de Roma só criou a zona de livre comércio entre seis países; eles hoje são 27 e têm plano maior; modelo, no entanto, enfrenta crise

François Lenoir/Reuters
Homem limpa painel de exposição comemorativa dos 50 anos do Tratado de Roma na Bélgica


JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O século 20 foi bastante cruel com a Europa. A Primeira Guerra Mundial (1914-1919) fez 8,5 milhões de mortos. A Segunda Guerra (1939-1945), no mínimo 35 milhões. Povoaram-se de modo sangrento os cemitérios do continente.
Mudando de assunto, mas nem tanto. Segundo a OMC (Organização Mundial do Comércio), os países membros da União Européia exportavam, há dois anos, em torno de US$ 2,5 trilhões. Só um terço dessa quantia foi vendida para terceiros. Quanto às importações, 66,1% (US$ 2,9 trilhões) foram comercializados com os parceiros do próprio bloco.
Não se trata apenas de comércio externo. É sobretudo interdependência econômica e política. Os empresários alemães rejeitariam hoje qualquer nacionalismo que levasse o país a bombardear a Polônia ou a França. São seus clientes, seus fornecedores de peças ou de matéria-prima. Um sindicato espanhol não permitiria que disputas bélicas levassem ao desemprego, com o corte no fornecimento de componentes da Áustria ou da Grécia.
Pois é justamente esse o "desenho" da União Européia. Seus 27 Estados membros estão de tal modo interligados que seria inconcebível entre eles uma nova guerra.
É esse o balanço dos 50 anos de integração européia. A CEE (Comunidade Econômica Européia), nascida com o Tratado de Roma há 50 anos, não foi o início de uma história comercial. É uma história de paz, que amansou os nacionalismos e evitou conflitos regionais.

1950, a idéia inicial
A idéia já estava explícita no embrião desse processo, quando em 1950 o ministro do Exterior francês, Robert Schuman, propôs à Alemanha a instituição de uma comunidade do carvão e do aço. Passaria ao controle de uma autoridade supranacional uma grande fonte energética e a matéria-prima para material bélico. Quatro outros países embarcaram em 1951 nesse projeto.
O bloco europeu cresceu e virou rotina. A lembrança das guerras se distanciou. Os 50 anos do Tratado de Roma não serão pretexto para uma grande festa de Portugal à Bulgária.
Os seis integrantes iniciais passaram hoje para 27. Os contribuintes dos países mais ricos não querem mais financiar investimentos nos países mais pobres. O mau humor para com uma Europa que não parava de crescer -e que absorveria mais um pouco da soberania dos Estados- partiu da França e da Holanda, que em 2005 rejeitaram em plebiscito o projeto de Constituição.
E é também controvertida a possível adesão da Turquia, que islamizaria em parte a União Européia e a empurraria na direção geográfica do Oriente.
Em países como a Irlanda e a Bélgica, a Espanha ou a Dinamarca, mais de 60% dos cidadãos acreditam que a UE continua a ser uma grande idéia. Mas na Áustria ou no Reino Unido, os chamados "eurocéticos" são majoritários. Eles aceitam a união comercial, mas rejeitam a adesão de novos membros e o apetite crescente de Bruxelas em elaborar normas e leis que os afetam.
É comum, no entanto, comparar a força dessa máquina econômica e social integrada a sua fraqueza em termos de política externa. A integração diplomática sai poucas vezes do papel. Em 2003, com a invasão do Iraque, a Europa se dividiu.

Evolução
É difícil imaginar de que maneira a União Européia evoluirá nos próximos anos. Ela é uma máquina pesada, que se mexe lentamente e cujos 300 mil funcionários -especialistas, burocratas, tradutores que produzem toneladas de documentos nessa imensa repartição pública com 23 idiomas- aprenderam a reagir na defesa de seus próprios interesses.
Enxugar esses quadros não está na ordem do dia, embora seja inevitável que os Estados, pressionados a gastar menos, acabem exigindo o mesmo da burocracia supranacional.
As disputas que hoje em dia envolvem dinheiro são outras. Há uma revisão orçamentária marcada para 2008. O Reino Unido, que subsidia pouco sua agricultura, abrirá frente de atrito com a França, que subsidia muito. Afinal, incentivos aos agricultores envolvem a contribuição de todos os países ao caixa único da PAC (Política Agrícola Comum).

Iniciativa alemã
Em termos políticos, é incerto o sucesso do esforço da Alemanha, que exerce neste semestre a presidência do bloco, para relançar o processo de integração que o projeto de Constituição emperrou.
No fundo, no entanto, é provável tudo seja um dia secundário aos olhos dos historiadores, ao se lembrarem que a União Européia é também um espelho que deve refletir 27 imagens constituídas por valores democráticos.
Não há ditaduras. Grécia, Espanha e Portugal só entraram depois de redemocratizados. E a democracia européia tem um sentido bem amplo. O direito à vida, por exemplo, é sinônimo da supressão da pena de morte. Guilhotinas e pelotões de fuzilamento são hoje orgulhosamente coisas de museus.


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