São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010

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Contestado, Insulza é reeleito na OEA

Questionado por EUA, por leniência com violações, e bolivarianos, por intervencionismo, chileno segue na chefia do órgão por 5 anos

Secretário-geral defende sua atuação inclusive no caso do golpe em Honduras, quando diz ter sido acionado tarde demais por Zelaya

Mandel Ngan/France Presse
O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, cumprimenta embaixadores de países-membros antes de sua reeleição ontem

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Na falta de outros candidatos viáveis, o chileno José Miguel Insulza, 66, foi reconduzido ontem em Washington ao posto de secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) para novo mandato de cinco anos, em uma cerimônia em que não faltaram pressões por reformas, críticas e trocas de acusações entre os países-membros.
Sob a sombra de sua própria ineficácia após o golpe hondurenho, que resultou na maior crise recente da América Latina, Insulza disse que lutará para fortalecer a Carta Democrática da OEA. "Queremos levar seus preceitos adiante não só em eleições, mas em todos os níveis."
Segundo ele, há propostas ambiciosas para que a carta seja aplicada na prevenção de crises. Mas é preciso certas formalidades. "Em Honduras, [o presidente deposto, Miguel] Zelaya invocou a Carta dois dias antes do golpe. Era tarde demais."
De concreto, porém, houve poucos sinais de novo ímpeto. "Podemos apoiar, sugerir, mas (...) não há nada que façamos sem a vontade dos Estados."
Esse desequilíbrio alimenta uma das principais discussões sobre o papel da OEA. Por um lado, ela é cobrada por sua irrelevância prática; por outro, países bolivarianos rechaçam o que chamam de "intromissões sistemáticas". A disputa já desinflou as expectativas de que fosse aberta uma reforma da Carta Democrática no segundo mandato do secretário-geral, que começa em maio.
Outra cobrança, particularmente dos EUA, se referiu à falta de participação de Insulza em questões de direitos humanos. "Gostaríamos que o secretário falasse mais abertamente sobre todas as violações", afirmou ontem a embaixadora americana na OEA, Carmen Lomellin, ao ser questionada sobre a falta de respaldo de Insulza a críticas à Venezuela.
O chileno resistiu. "Quem cuida de direitos humanos é a comissão interamericana; o secretariado geral se ocupa das questões políticas."

Aclamação
Com o pano de fundo das polêmicas, a recondução de Insulza acabou se dando por aclamação. A opção preferida por boa parte dos países, de confirmação por consenso, acabou naufragando pouco antes da cerimônia por questões jurídicas. Já uma eleição foi descartada devido à insistência de Venezuela, Nicarágua e Bolívia em expor sua resistência ao nome do secretário-geral -e o voto seria obrigatoriamente secreto.
Apesar de a Venezuela ter decidido no último momento declarar apoio a Insulza, os três países reclamaram estridentemente do suposto intervencionismo da OEA, assim como da influência dos EUA no órgão. A Bolívia anunciou que se absteria caso houvesse votação, mas ao final se uniu aos outros reticentes no apoio à aclamação para evitar isolamento.
O embaixador do Brasil na OEA, Ruy Casaes, que apoiou Insulza, pediu ainda ao secretário que "não aceite a saída fácil de aceitar recursos que minariam" a independência da organização. Por sua mais difícil situação econômica, teme-se que a OEA se transforme em instrumento legitimador de alguns países que doam recursos atrelados a interesses políticos.
Os EUA financiam cerca de 60% do orçamento da OEA, enquanto países como Espanha doam com frequência a projetos de seu interesse.
Insulza descartou o risco, mas disse "entender a preocupação". "Nosso orçamento não passa de US$ 80 milhões. Vamos ter de começar a cortar projetos se nada for feito."
Mas mesmo com todas as reclamações, o secretário só fez uma autocrítica: "Já não leio e-mails" -ele recebe muitos.


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