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ARTIGO
EUA, Brasil e o guarda-chuva nuclear iraniano
Governo Obama, na ótica do PT, abre vácuo de poder para que o partido coloque em prática sua verdadeira política externa, refratária à ordem internacional estabelecida
NELSON ASCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
No último dia 16, Otavio
Frias Filho publicou artigo criticando a política externa brasileira, sobretudo sua ativa reorientação no Oriente Médio e
seu intrigante apoio ao programa nuclear do Irã. As ressalvas
que fez são tão justas quanto
oportunas, mas, argumentando
que a intenção do Itamaraty seria só se opor aos EUA, ele resumiu de maneira não menos intrigante as razões que levariam
estes a se envolverem naquele
canto do mundo: "Os EUA estão atolados até o pescoço na
região porque sua economia é
dependente do petróleo local
(...) e sua comunidade judaica
exerce peso desproporcional
nas eleições americanas".
Pouco menos da metade do
petróleo consumido pelos EUA
é extraída no próprio país. A
Arábia Saudita, seu quarto
maior fornecedor (após Canadá, México e Nigéria) responde,
em conjunto com a Argélia, o
Iraque e o Kuait, por cerca de
10% do total. Os países mais dependentes do petróleo são os
exportadores, que nada mais
têm a vender. Se a dependência
que os EUA têm do petróleo
médio-oriental é menor do que
se supõe, então o peso "desproporcional" do voto judaico seria
não só a causa praticamente
única da guerra do Iraque e da
intervenção no Afeganistão
(parte do assim chamado Grande Oriente Médio), como viria
também determinando há décadas a política americana na
região.
Proporcionalidade aqui é um
conceito difícil de entender e
medir. Os judeus são 2% da população dos EUA, e o jornalista
provavelmente se referia ao
apego da maioria deles a Israel.
O que equivaleria, no entanto, a
2% da política externa de uma
democracia cuja sociedade civil
se organiza de acordo com critérios e grupos os mais diversos
(econômicos, ideológicos, étnicos, regionais, profissionais e
religiosos nem sempre exclusivos ou isolados uns dos outros e
manifestando-se por meio de
ONGs, lobbies legais, instituições variadas, dos meios de comunicação etc.)? Como traçar
linhas diretas e singulares entre causas e efeitos?
A verdade é que, se há algo
que, desde a era Roosevelt, determina o grosso do voto judaico, trata-se de sua fidelidade
canina ao Partido Democrata,
algo ilustrado pelos quase 80%
desse voto obtidos por Barack
Obama, o presidente americano mais hostil a Israel desde
Jimmy Carter. O grupo mais favorável a Israel no país é o dos
sionistas cristãos, em geral republicanos, bem mais numerosos e influentes do que os judeus. Ademais, quase dois terços dos americanos simpatizam com o Estado judeu independentemente de quem esteja
na Casa Branca. Os EUA começaram a se envolver no Grande
Oriente Médio na época da Primeira Guerra da Berbéria (1801-1804), nunca mais deixaram de fazê-lo e se posicionaram amiúde contra os interesses israelenses.
Acontece que há no mundo
57 países islâmicos, dos quais
22 são árabes, e a descoberta
em alguns destes de imensas jazidas petrolíferas, elevando-os
a agentes indispensáveis do sistema internacional, levou-os a
serem disputados por ambos os
blocos rivais da Guerra Fria.
Sua relevância cresceu ainda
mais no ano-chave de 1979,
quando os soviéticos invadiram
o Afeganistão, o xá do Irã foi deposto e, fato não muito conhecido, mas central, a grande
mesquita de Meca foi tomada
por fundamentalistas que pretendiam derrubar a monarquia
saudita. Foi então que, além de
petróleo e investimentos, o
Oriente Médio passou também
a exportar seus problemas.
Não obstante o alto grau de
violência interna desses países
e entre eles, o que os caracteriza é uma férrea estabilidade
(visível num país como o Egito,
que vive sob o mesmo regime
fundado em 1956 por Nasser).
A região mantém-se espantosamente imutável exportando
instabilidade sob a forma de
migrantes (em especial norte-africanos) e extremistas que,
como os oriundos da Península
Arábica ou do golfo Pérsico, são
instigados a promover sua jihad "longe de casa" (por exemplo, a partir de 1979, no Afeganistão e, desde 2003, no Iraque).
Regime revolucionário que é,
o Irã teocrático vem há muito
difundindo sua ideologia no exterior. Como, corruptos e incompetentes, os aiatolás lhe arruinaram a economia, gerando
uma instabilidade interna que
os ameaça, eles buscam livrar-se dela exportando-a também,
antes de mais nada, aos vizinhos, os quais precisam, portanto, de uma superpotência
que os proteja. E é, na melhor
das hipóteses, para impedir
uma intervenção estrangeira
não contra o país ou seu povo,
mas, sim, contra seus detestados dirigentes, que o Irã deseja
um "guarda-chuva nuclear".
Caso os teocratas não tenham
metas apocalípticas, a bomba
lhes permitirá perpetuar-se no
poder e "vender proteção" aos
vizinhos, enquanto os dirigentes desses buscarão, por seu
turno, preservar-se exportando para outros lugares parcelas
ainda maiores de seu terror doméstico e de seu superavit de
fervor religioso.
E o Brasil com isso? Os interesses da nação e os do regime
lulista não coincidem necessariamente. O PT vê a atual ordem mundial como obstáculo
tanto a seu anseio de continuar
governando quanto ao de capitanear uma ordem alternativa.
Apesar de não terem mostrado
mais cedo suas cartas, agora
que há um presidente americano do qual não se sabe se é fraco
ou se deseja abolir o papel hegemônico de seu país na manutenção do sistema internacional em vigor, os petistas entenderam que o vácuo de poder assim criado, abrindo um leque
de oportunidades, permite-lhes enfim pôr em ação sua verdadeira política externa.
NELSON ASCHER é poeta, ensaísta e tradutor.
É autor, entre outras obras, de "Parte Alguma"
(2005, Cia das Letras).
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