São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

Próximo Texto | Índice

ORIENTE MÉDIO

Em entrevista da qual a Folha participou, ele afirma que o esforço pela paz com Rabin fez o mundo reconhecer Israel

Arafat diz que ajudou Israel a ser aceito

OTÁVIO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

Quase dez anos após ter retornado do exílio na Tunísia aos territórios ocupados como um herói da luta pela autodeterminação palestina, Iasser Arafat, 75, nunca esteve tão enfraquecido politicamente. E a causa palestina nunca esteve tão longe de chegar a seu objetivo: um Estado independente em Gaza e na Cisjordânia.
Em junho acontecerá o 10º aniversário do fim do exílio de Arafat. Não há, no entanto, o que comemorar. Desde 26 de novembro de 2001, o líder palestino está impedido pelos israelenses de sair de seu QG semidestruído em Ramallah, na Cisjordânia. "Sou um prisioneiro como qualquer outro palestino", disse, em entrevista à Folha e a outros dois veículos brasileiros na noite de quarta-feira.
Em 1994, Arafat voltou triunfalmente à faixa de Gaza para presidir a Autoridade Nacional Palestina (ANP), embrião do futuro Estado. Naquele momento, esse parecia ser um sonho possível, devido à assinatura, em 1993, dos acordos de Oslo, entre o líder palestino e o então premiê de Israel, o trabalhista Yitzhak Rabin.
Em julho de 2000, fracassou o diálogo entre Arafat e o então premiê israelense, Ehud Barak, mediado pelo presidente americano na época, Bill Clinton, em Camp David. O colapso gerou a nova Intifada e, em 2001, a eleição como premiê de Ariel Sharon, muito menos disposto a concessões do que Barak.
Há dois anos e cinco meses, Arafat vive sitiado na Mukata (sede da ANP), em grande parte destruída por bombardeios. Israel ameaça mandá-lo novamente para o exílio ou mesmo matá-lo -"remoção" é o termo usado pelo governo Sharon, que anteontem voltou a ameaçar Arafat.
A reportagem da Folha -que viajou aos territórios ocupados a convite da representação diplomática da ANP em Brasília- esteve três vezes na Mukata na última semana. Na quinta à noite, Arafat convidou os três jornalistas brasileiros para um jantar frugal -legumes, entradas árabes, queijo branco, pão e frutas. "É um jantar pobre, mas é o que temos para oferecer", disse, com um sorriso, ao presentear a reportagem com um pedaço de brócolis cozido.
Apesar de marcado pela idade, por doenças e pelo confinamento -"há mais de dois anos não tomo sol, você imagina o que é isso?"-, Arafat está lúcido e parecia bem disposto. Ele dificilmente responde às perguntas de forma direta. Prefere lembrar seus esforços de paz com diferentes governos israelenses, descrever os efeitos da ocupação e defender o direito dos palestinos de resistir.
Ao ser questionado sobre a acusação de Israel e dos EUA de que não combate o terror ou até o estimula, ele reage: "Peçam-lhes que apresentem uma prova de que eu esteja junto com os terroristas. Ontem, impedimos dois atentados, hoje, mais um".
Já era tarde, e Arafat estava rodeado de assessores. Ao lado da pequena sala sem janelas onde ele janta, tem reuniões e recebe estrangeiros, podiam-se ver cômodos com camas de solteiro arrumadas. Era hora de dormir.

 

Pergunta - Dez anos atrás, após os acordos de Oslo, o sr. voltou aos territórios ocupados, trazendo a esperança de liberdade para os palestinos e de paz com Israel. Em 2004, o sr. está isolado em seu QG, e o processo de paz está praticamente destruído. O que o sr. conquistou nesses últimos dez anos?
Iasser Arafat -
Não esqueçam que eu assinei os acordos de paz com meu parceiro Yitzhak Rabin na Casa Branca. Todo o mundo viu. Nosso acordo foi bem recebido por todos os países árabes e do movimento dos não-alinhados, e as portas se abriram para meu parceiro Rabin. Antes, pouco mais de 60 países reconheciam Israel. Agora, são mais de 110. Então, esse grupo fanático que está no poder hoje em Israel matou meu parceiro Rabin [o premiê foi morto por um extremista israelense, num ato condenado por todos os partidos da atual coalizão em Israel]. E agora diz que a paz está morta, que Oslo morreu. Mas é preciso lembrar que mesmo o acordo que eu assinei com Bibi Netanyahu e seu vice na época, Ariel Sharon [respectivamente o ex e o atual premiê de Israel, ambos do Likud, de centro-direita], após a morte de Rabin, não foi cumprido. Depois, houve os entendimentos com George Tenet, enviado pelo [presidente George W.] Bush. E o acordo de Sharm el Sheikh [Egito], com as presenças dos presidentes [Bill] Clinton [EUA] e [Hosni] Mubarak [Egito], do rei Hussein [da Jordânia, morto em 1999], Kofi Annan [secretário-geral da ONU] e Javier Solana [representante da União Européia]. E as negociações com Ehud Barak a convite do presidente Jacques Chirac [França], com a participação da [ex-secretária de Estado dos EUA] Madeleine Albright.
Havíamos combinado de assinar o acordo de Paris na manhã seguinte em Sharm el Sheikh, com a presença de Mubarak. Todos fomos, mas, após três horas de espera, Barak mandou uma nota dizendo que não iria [por causa da violência palestina contra israelenses].
Agora, o último deles, o plano de paz sugerido a nós pelo presidente Bush em nome do Quarteto [grupo formado por EUA, Rússia, UE e ONU para pressionar pela paz no Oriente Médio] e aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU. Nenhum foi colocado em prática [Israel acusa os palestinos de não cumprirem sua parte nos acordos: basicamente, combater os grupos terroristas]. E Sharon, depois que os EUA nos deram as costas, está aumentando seus crimes em toda parte de nossa terra.


Próximo Texto: "Washington também resistiu à ocupação"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.