São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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Na continuação de sua entrevista, Arafat invoca o herói da independência dos EUA para justificar a Intifada

"Washington também resistiu à ocupação"

Leia a Continuação da entrevista com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Iasser Arafat. (OTÁVIO DIAS)

 

Pergunta - A população palestina está sofrendo como nunca...
Arafat -
Apenas nas últimas 36 horas, 14 palestinos morreram e dezenas ficaram feridos no norte da faixa de Gaza, e os campos onde plantávamos nossas flores mais bonitas foram destruídos. Os israelenses estão reocupando Belém. Quando ocorreram os problemas na Igreja da Natividade, em 2002, a União Européia mediou um acordo segundo o qual os palestinos que haviam se refugiado na igreja foram enviados parte para Gaza e parte para a Europa, onde estão até hoje. Israel se comprometeu a sair de Belém. Desde então, a situação está calma na cidade, mas há dez dias o Exército israelense a invadiu novamente.
E o muro de separação? Quando deveríamos construir pontes, Israel levanta muros. O muro confiscou 58% das nossas terras, destruiu nossos campos mais férteis, e 64% das nossas oliveiras, muitas do tempo dos romanos, foram arrancadas da terra. O "Muro de Berlim" em Jerusalém cortou a estrada histórica entre a Igreja da Natividade, em Belém, e o Santo Sepulcro, em Jerusalém, apesar dos protestos de todos os patriarcas cristãos. Eles pediram que ao menos houvesse uma porta, mas Israel recusou.
Qual é o significado disso? Na última Sexta-Feira Santa, os cristãos palestinos foram impedidos de rezar em Jerusalém. E impedem a nossa população de rezar na Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, e na mesquita de Abraão, em Hebron. E tem mais. A mais antiga igreja do mundo, situada numa vila aqui perto, em Aboud, foi completamente destruída para a construção do muro. Por quê? Quem pode aceitar isso? A paz que queremos na Terra Santa não é apenas para nós, mas para todos. Esta é a Terra Santa, que pertence a várias religiões.

Pergunta - Israel, com apoio dos EUA, afirma que o processo de paz está paralisado porque o sr. e a Autoridade Nacional Palestina não fazem o que devem fazer para impedir o terrorismo. O que o sr. tem feito diante dessa acusação?
Arafat -
Vocês estão esquecendo a ocupação? O que fez George Washington [primeiro presidente dos EUA e herói da independência do país] contra a ocupação britânica? Os americanos não resistiram ao domínio britânico? Quem pode aceitar uma ocupação? Nós aceitamos ficar com apenas 22% da Palestina histórica, o resto fica com Israel. Mesmo isso eles não aceitam? Acham que poderão ter paz ocupando tudo? Definitivamente não.

Pergunta - Israel exige que o sr. prove, com ações, que não apóia o terrorismo.
Arafat -
Quem criou o Hamas? Foi Israel. Para competir com a OLP [Organização para a Libertação da Palestina]. Isso já foi declarado pelo outro lado. Peçam a eles que apresentem uma prova de que estou junto com os terroristas. Quantas vezes nós impedimos ataques terroristas? Ontem, impedimos dois atentados; hoje, mais um. Israel tem informações sobre isso. E é exatamente por isso que queremos a presença de uma força da ONU ou pelo menos de observadores internacionais.

Pergunta - O argumento dos grupos extremistas palestinos para realizar atentados contra civis em Israel é que os israelenses têm de sentir na pele o sofrimento dos palestinos. É um argumento válido?
Arafat -
Nós somos completamente contra atentados e temos impedido muitos ataques. Mas não podemos esquecer que, assim como nós temos grupos fanáticos, eles também têm grupos fanáticos. Os fanáticos estão por toda parte. Nos EUA, não há grupos fanáticos? Na Europa, não há grupos fanáticos? Na América Latina, não há grupos fanáticos? Na Ásia, não há grupos fanáticos? Nos países árabes, não há grupos fanáticos? A única coisa que pode fazer com que a população palestina nos siga é a paz. É importante lembrar que a melhor celebração do ano 2000 em todo o mundo aconteceu em Belém, quando 28 presidentes e chefes de Estado estiveram presentes. Bill Clinton e Hillary acenderam as luzes da árvore da Igreja da Natividade. Tenho muito orgulho do que consegui obter nessa celebração: a primeira reunião das 13 igrejas, algo que nunca havia acontecido. Foi histórico. E por que foi possível fazer isso? Porque a paz estava sendo construída nesta terra, e ela é muito importante para o mundo, historicamente e do ponto de vista religioso.

Pergunta - A Intifada foi prejudicial para a causa palestina?
Arafat -
Não podemos esquecer: a Intifada começou após Barak [na época premiê] ter permitido que Sharon [então líder da oposição] visitasse a Esplanada das Mesquitas [em setembro de 2000]. Quando foi anunciado que a visita aconteceria, fui à casa de Barak, acompanhado de Saeb Erekat e Abu Mazen [dois importantes líderes palestinos], e implorei a ele para que não desse a Sharon a chance de visitar a mesquita. Barak não disse sim nem não. Após 36 horas, Sharon estava lá. Os palestinos se rebelaram e, nas horas que se seguiram, os israelenses mataram 34 pessoas e mais de 80 ficaram feridas. O que vocês esperam dos palestinos? Que fiquem em silêncio e suportem a ocupação calados, dia após dia?

Pergunta - A retirada unilateral de Israel de Gaza pode ajudar o processo de paz?
Arafat -
Se for parte do plano de paz, nós aceitamos. Mas se for como Sharon anunciou assim que voltou dos EUA, há cerca de dez dias, não podemos aceitar. Ele disse claramente que Israel controlará as entradas para Gaza nas fronteiras com o Egito e Israel, o espaço aéreo e marítimo. Tentamos reconstruir nosso porto, com a ajuda da União Européia, e o nosso aeroporto, ambos completamente destruídos por Israel. Temos direito a ter um porto e um aeroporto. E a controlar nossas fronteiras. Quem pode aceitar a retirada nessas condições?

Pergunta - Seu isolamento na Mukata comprometeu sua saúde?
Arafat -
Definitivamente. Não tomo sol há mais de dois anos, você imagina o que é isso? Mas continuo trabalhando, como sempre fiz. Em cada cidade palestina importante, há uma Mukata. Elas serviam de sede do protetorado inglês e foram destruídas por Israel. A minha casa particular foi totalmente destruída; minha mulher e minha filha estão no exterior. Mas o que acontece comigo acontece com todos os palestinos. Estudantes e professores não conseguem ir à escola, médicos e pacientes não chegam aos hospitais, camponeses não têm acesso às suas terras. Sou prisioneiro como qualquer outro palestino.

Pergunta - Como o sr. avalia a posição do Brasil diante do processo de paz e da causa palestina?
Arafat -
Desde o início, os governantes do Brasil, assim como os brasileiros, nos têm apoiado. Fiz uma breve visita ao Brasil há alguns anos [durante o governo Fernando Henrique Cardoso] e não posso esquecer como fui recebido. O Brasil atualmente não representa apenas os brasileiros e os latino-americanos no Conselho de Segurança da ONU, mas também os palestinos.

Pergunta - O sr. é acusado de ter perdido a melhor oportunidade de paz em Camp David, em 2000. Por que o sr. não assinou o acordo?
Arafat -
Durante os últimos três dias da cúpula, Barak se isolou em sua vila e se recusou a encontrar qualquer pessoa de fora, mesmo de sua delegação. Nós estávamos discutindo os pontos mais sérios, como Jerusalém, o retorno dos refugiados, mas não chegamos a um acordo final. Mas seguimos tentando. Por isso, houve Sharm el Sheikh e Paris. E, em seguida, o relatório Mitchell e os entendimentos com George Tenet. Por que nenhum desses acordos posteriores foram implementados? Mesmo após Camp David, sempre continuamos a buscar a paz.

Pergunta - Os EUA acusam o sr. de não ser um parceiro para a paz. Com o apoio oferecido por Bush a Sharon em questões importantes como a negação do direito de retorno dos refugiados palestinos e a permanência de colônias em território palestino, os EUA deixaram de ser um parceiro para a paz?
Arafat -
Não. Onde eu assinei os acordos de Oslo? Não posso esquecer que o presidente George Bush, pai do atual presidente, deu início à Conferência de Madri [1991] para a paz não apenas entre palestinos e israelenses, mas para todo o Oriente Médio. Até hoje, o presidente Clinton atende meus telefonemas. Nunca deixou de conversar comigo. Qual é a diferença entre agora e ontem? Continuamos a buscar apoio internacional à causa palestina. Nos próximos meses, os papéis da Europa e da Rússia serão muito importantes porque este ano é de eleições nos EUA. Eles precisarão trabalhar com força e rapidamente para salvar a paz. Nós continuamos comprometidos com a paz que assinamos na Casa Branca.


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