São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 2006

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COMENTÁRIO

Os fatores internos

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


É tentador buscar uma explicação fácil para os ataques na chamada "Riviera do Mar Vermelho" do Egito. Se por um lado há um forte componente internacional, com a provável ligação com a Al Qaeda e a presença de turistas ocidentais e israelenses, é preciso olhar para fatores internos.
É necessário, sem cair na falácia de justificar o terrorismo pela miséria, combinar a esses peças a classe média achatada e sem representação política e a pobreza que envolve o Cairo, o vale do Nilo e pontos isolados do país.
Caso de El Fayoum, cidade que margeia o lago do oásis homônimo. O presidente Gamal Abdel Nasser, mito do "pan-arabismo socialista" dos anos 50 e 60, estabeleceu um palácio na área, então valorizada.
Hoje, o edifício virou hotel às moscas, e a costa do lago é campo fértil para febres e extremismo islâmico. De lá saiu o grupo que tentou derrubar o World Trade Center em 1993.
Com a ascensão da rede comandada por Osama bin Laden, que conseguiu o objetivo da turma de El Fayoum oito anos depois, ficou fácil botar a culpa no "terror internacional" por conta de ações como as de ontem.
Obviamente há inspiração e, talvez, recursos externos. Mas a miséria e a repressão política decorrentes do fracasso do modelo de Nasser, personalizados nos 25 anos de poder autocrático de Hosni Mubarak, são fermentos tão ou mais poderosos.
Pobreza não implica violência, mas o seqüestro ideológico por fanáticos com agenda própria é facilitado quando o Estado está longe. E ele está muito distante no Egito, 119º no ranking de desenvolvimento humano da ONU, com 177 países.
E o Estado não permite a oposição moderada. A campanha oficial para coibir o voto nos candidatos apoiados por extremistas da Irmandade Muçulmana nas eleições legislativas de 2005 apenas demonstrou o que o governo temia: os integristas tornaram-se desaguadouros da insatisfação.
Se isso não é uma explicação em si, por simplista e injusta com a maioria que não os apóia, fornece um contexto para entender os ataques. O alvo é o governo e sua maior fonte de dólares (US$ 6 bilhões em 2004), o turismo.
Na década de 90, o sul egípcio e seus tesouros antigos eram o alvo. A ação militar tornou a viagem à região segura, mas um tormento. O governo então direcionou investimentos para a "Riviera", e a oferta de quartos em hotéis triplicou para 140 mil.
Com tal potencial, outros ataques virão, e a repressão inevitável talvez só alimente o ciclo da violência.


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