São Paulo, Domingo, 25 de Abril de 1999
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No início, convivência com Brasil foi difícil

da Sucursal de Brasília

Poucas decisões foram tão dramáticas para os portugueses após a Revolução dos Cravos quanto a tomada em relação às antigas colônias na África. Com o Brasil, o sentimental "país-irmão", a convivência inicial não foi nada pacífica.
A questão colonial semeou, menos de cinco meses após a revolução, os primeiros momentos explícitos de discórdia entre os jovens capitães e o presidente da República, o general António de Spínola.
A paz da democracia e da liberdade da antiga metrópole não chegou nem à África nem à Ásia. A guerra civil em Angola, que já fez aproximadamente 500 mil mortos e 1,5 milhão de refugiados, e os massacres em Timor Leste (ainda sem independência), duas das sete antigas colônias, são o legado do 25 de Abril para esses países.
Vítor Alves e Vasco Lourenço, os dois capitães que falaram com a Folha, de Lisboa, por telefone, lamentam a situação nas ex-colônias, mas enxergam politicamente a situação.
"À exceção de Timor, que está a ser defendido por Portugal, os demais países se tornaram independentes, e isso justifica o sacrifício por que passa Angola, por exemplo", diz Lourenço. "São soberanos, e a luta hoje não é vã, é pela manutenção dessa soberania", completa Alves.
Lourenço, hoje um ativo militante da Associação 25 de Abril, lembra que os jovens capitães promoveram uma descolonização que estava "pelos menos 20 anos atrasada em relação ao curso da história e no contexto da Guerra Fria".
O historiador Luiz Felipe de Alencastro acrescenta o "poder desordeiro" do então regime racista sul-africano, que contribuiu, no caso específico de Angola, para transformar a descolonização no mais complicado de todos os processos.
Adepto de uma solução que transformasse o império colonial em uma federação de Estados luso-africanos, Spínola trombou com o MFA (Movimento das Forças Armadas) no que era um ponto de honra dos capitães, a descolonização. Não abriram mão de algo que eles mesmo levaram tempo a aceitar.
No início da conspiração militar, os capitães, a maioria com vários anos de guerra colonial, interpretavam o fim da guerra colonial como um "ato covarde". Temiam que a população a julgasse como uma fuga.
Levaram tempo a consolidar a idéia de que a guerra colonial estava perdida -embora pudesse ser sustentada por muitos anos- e a única solução era política, jamais militar.

Brasil e o embaixador
O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a legitimidade da Junta de Salvação Nacional, que, na madrugada do dia 25 de abril de 74, assumiu o país.
Mas os capitães e as lideranças políticas estranharam quando o governo brasileiro, ainda regime autoritário, mandou para Lisboa como novo embaixador o general Fontoura, dos serviços de informação.
Hoje, passados 25 anos e umas escaramuças envolvendo dentistas e direitos de imigrantes, os capitães, Alencastro e o professor Benjamin Abdala, do Centro de Estudos Portugueses da Faculdade de Filosofia da USP, convergem para um ponto: a "retórica sentimental" deu lugar a um "relacionamento de parceiros que têm interesses econômicos, mas jamais deixarão de ter uma amizade especial".
"Seria interessante que, agora, agissem cada vez mais dentro de uma estratégia comunitária", diz Abdala. Para ele, é inevitável que os negócios crescentes entre os dois países tragam investimentos culturais.

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