São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010

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Argentina faz 200 anos mais pobre e dividida

País ainda tenta se reerguer da crise de 2001 em meio a guerra política

Presidente Cristina Kirchner se nega a ir a evento organizado por prefeito de Buenos Aires e exclui vice de festejo


GUSTAVO HENNEMANN
DE BUENOS AIRES

Sem grandes motivos para celebrar, a Argentina comemora hoje o Bicentenário do início de seu processo de independência da Espanha.
O céu cinzento que cobriu Buenos Aires ontem, feriado antecipado para comemorar a independência, deixou ainda mais opacos os festejos, marcados por graves conflitos políticos internos e pelo retrocesso social do país nas últimas décadas.
O cenário é de contraste com a Argentina de cem anos atrás, que enriquecia com a exportação de trigo, lã e carne, alcançando renda per capita superior à de países como Suíça, Espanha e Itália.
Hoje, a meta é mais modesta: reverter os efeitos da crise de 2001, que pôs metade da população abaixo da linha de pobreza e obrigou o governo a suspender o pagamento da dívida externa.
Desde 2003, a economia cresce a uma média de 7,4% ao ano, mas isso não significa que o país tenha voltado para o caminho da prosperidade, segundo o economista da UBA (Universidade de Buenos Aires) Ricardo Aronskind.

APENAS SOJA
"Voltamos simplesmente a ter políticas a favor da produção, depois de décadas privilegiando o sistema financeiro. Mas ainda não há um projeto estratégico de país, para os próximos 20 anos. Não podemos sustentar o crescimento só vendendo soja para a China e a União Europeia."
Segundo o economista, o Estado tem baixa capacidade de gestão -por falta de especialistas- e fica sem força para induzir o fortalecimento e a diversificação da economia. E o setor privado "não sabe para onde ir".
O clima político da Argentina tampouco ajuda o país a superar os problemas. O governo da presidente Cristina Kirchner e a oposição promovem guerra declarada e não conseguem dialogar.
Neste ano, o Congresso ainda não conseguiu aprovar nenhum projeto de lei dos que compõem a pauta legislativa do primeiro semestre.
Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado têm dificuldades para realizar sessões, que sofrem boicotes do governo e da oposição.
"É uma briga entre o casal Kirchner e um mosaico sem coesão alguma. Não há nenhuma possibilidade de que eles logrem outro objetivo além de derrotar o atual governo. Ocorreu o mesmo com [o ex- presidente Carlos] Menem [1989-1999]. Todos se juntaram para derrubá-lo, mas, no dia seguinte à vitória, a aliança explodiu", diz Luis Fanlo, professor de sociologia da UBA.

VICE EXCLUÍDO
O conflito político invadiu até as comemorações do Bicentenário. Os espaços públicos para realizar eventos e o protagonismo durante cinco dias de festa foram disputados pelo governo nacional e pela Prefeitura de Buenos Aires, administrada por Mauricio Macri, pré-candidato à Presidência em 2011.
Ontem à noite, Cristina Kirchner faltou à reinauguração do histórico teatro Colón devido à briga com o prefeito. Na semana passada, enviou carta ao prefeito dizendo que não participaria de situação "cínica" e "hipócrita".
Hoje, a presidente encerra as comemorações do Bicentenário com um jantar de gala na Casa Rosada, onde recebe 200 convidados, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os atritos internos, no entanto, deixarão de fora da festa o vice-presidente argentino, Julio Cobos, que está rompido com o casal Kirchner desde 2008.
O governo disse não ver motivos para convidá-lo.


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