São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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VIDA NO JAPÃO
A maioria dos 250 mil descendentes de japoneses não tem direito ao voto e vive com a cabeça no Brasil
Imigrantes brasileiros são alheios à política

OTÁVIO DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

Embora estejam do outro lado do planeta, os cerca de 250 mil brasileiros que emigraram para o Japão estão mais interessados no entra-e-sai de Celso Pitta da Prefeitura de São Paulo do que em acompanhar a eleição parlamentar de hoje, que definirá o novo governo nipônico.
"Os imigrantes brasileiros estão mais voltados para o que acontece no Brasil do que para a realidade japonesa", disse à Folha o cientista político Alexandre Ratsuo Uehara, 33, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo.
O brasileiro Uehara, que estuda há um ano no Japão, fez uma pesquisa informal sobre o grau de interesse da comunidade brasileira de Kawasaki (perto de Tóquio), onde mora, no processo eleitoral: "Seis em cada dez pessoas nem sabiam que havia eleições".
São vários os motivos que explicam essa alienação. O mais determinante é o fato de os brasileiros -como, aliás, todas as demais comunidades estrangeiras- não terem direito ao voto no Japão. Como não votam, não têm peso político, não apóiam nem lançam candidatos.
"Se pudéssemos votar, teríamos condições de eleger até dois vereadores em minha cidade", disse à Folha por telefone o advogado Etsuo Ishikawa, 39, presidente da Associação dos Brasileiros de Hamamatsu (180 km ao sul de Tóquio), onde há uma das maiores concentrações de brasileiros.
São cerca de 10 mil para uma população de aproximadamente 600 mil pessoas. "Com 3.500 votos, elege-se um vereador. Se nos uníssemos, poderíamos ter dois representantes. Seria um grande avanço", afirma Ishikawa, que presta consultoria jurídica à comunidade brasileira.
Apenas os imigrantes com dupla nacionalidade podem votar. Mas o Consulado Geral do Brasil em Tóquio não sabe quantos eles são, pois costumam entrar no Japão com passaporte japonês.
Segundo a cônsul-geral Maria Edileuza Fontenelle, "já há um início de debate sobre a possibilidade de os estrangeiros que vivem no Japão um dia poderem votar". "Mas não creio que haja uma evolução no curto prazo", diz.
Ela evita, entretanto, fazer comparações entre a situação da comunidade brasileira no Japão e a realidade dos brasileiros de origem japonesa no Brasil.
"No Brasil, a comunidade de origem japonesa adquiriu direitos aos poucos, com o passar do tempo e com o nascimento de sucessivas gerações", explica. "No Japão, a imigração brasileira é um fenômeno recente. As conquistas virão aos poucos."
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram ao Brasil em 1908 para trabalhar nas fazendas de café, granjas e pomares do Estado de São Paulo. Hoje, o país tem a maior colônia de origem japonesa fora do Japão, com mais de 1,5 milhão de pessoas. Seus representantes estão em todos os setores da sociedade e pertencem, em sua maioria, à classe média.
Já a emigração de brasileiros para o Japão só ganhou importância a partir da metade dos anos 80, quando o país viveu um grande desenvolvimento econômico e passou a ter carência de mão-de-obra menos especializada.
Segundo o consulado brasileiro, havia apenas 2.000 brasileiros no Japão em 1985. Esse número saltou para 159 mil em 94 e cerca de 250 mil atualmente. Eles são conhecidos como "dekasseguis" (termo que define a pessoa que migra em busca de melhores oportunidades de trabalho).
Praticamente 100% dos imigrantes brasileiros no Japão são filhos ou netos de japoneses. Possuem um visto de "nikkeis" -pessoas de ascendência japonesa nascidas no exterior.
O governo japonês autoriza a permanência dos "nikkeis" sob o argumento de que eles viajam para conhecer a cultura de seus antepassados. Mas, ao mesmo tempo, lhes abre a possibilidade de trabalhar. O visto deve ser renovado a cada três anos, no máximo.
O fosso entre a comunidade brasileira no Japão e a sociedade nipônica também explica a falta de interesse no processo eleitoral.
"Os dekasseguis brasileiros vivem quase num gueto. Têm seus jornais, um canal de TV, compram em lojas de brasileiros, frequentam bares e discotecas brasileiros", diz o padre Evaristo Higa, 49, que foi para o Japão há sete anos para atender a brasileiros de religião católica.
Há vários fatores que explicam essa falta de integração. O japonês é tradicionalmente fechado ao estrangeiro. O país começou a se abrir para o exterior a partir do final do século 19 (após 250 anos de isolamento quase total), mas o processo só se intensificou a partir do final da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, com o boom econômico da década de 80 e início dos anos 90.
Mesmo para os descendentes de japoneses a integração é difícil. "No Japão, tudo funciona de acordo com regras sociais bem definidas. Os imigrantes brasileiros, apesar da origem japonesa, desconhecem esses costumes e acabam criando pequenos conflitos", diz César Iwao Missawo, 34, que ensina japonês para estrangeiros numa escola pública de Oizumi (noroeste de Tóquio).
A língua é mais um obstáculo, pois vários dos imigrantes brasileiros são "sanseis" (netos de japoneses) ou "yonseis" (bisnetos) e não dominam o japonês.
"Os japoneses se surpreendem quando encontram um nikkei que não fala japonês. Eles não entendem como alguém pode se assemelhar a eles fisicamente e não falar a língua", afirma a jornalista Andréia Ferreira, 31.
Andréia, que não tem ascendência japonesa, é editora-chefe do "Jornal Tudo Bem", um semanário em português com circulação de 50 mil exemplares.
Há também um certo imediatismo na relação do imigrante brasileiro com o Japão. "Os brasileiros vêm ao Japão com o objetivo de juntar dinheiro para voltar ao Brasil e abrir um negócio ou comprar um apartamento", explica Maria Edileuza Fontenelle.
"A idéia inicial é de ficar apenas dois ou três anos, mas, com a redução do ritmo da economia japonesa, muitos acabam ficando mais tempo", diz a cônsul-geral.
Nem mesmo os rumos da economia chegam a chamar a atenção dos brasileiros para as eleições. "Os dekasseguis sentem o pulso da economia a partir da realidade de sua empresa", afirma o cientista político Alexandre Uehara. "O que conta é se ele tem mais ou menos trabalho, se o salário sobe ou desce, se ele recebe mais ou menos horas extras", diz Uehara.


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