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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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Inseguros, iraquianos temem vingança de Saddam

PATRICK E. TYLER
DO "NEW YORK TIMES", EM BAGDÁ

O professor Hilal Al Bayyati, ex-diretor do Centro Nacional de Computação do Iraque, pretende abandonar o país no final deste ano, porque não quer viver com medo de Saddam Hussein.
"Eu tinha pensado em fazer carreira política, ainda que não seja político, mas, depois, cheguei à conclusão de que não queria criar para a minha família o risco de que alguém um dia me assassinasse", disse Bayyati. "Assim, decidi sair do país até que seja seguro retornar."
Quando o regime de Saddam entrou em colapso, Bayyati ganhou proeminência ao liderar uma revolta na Universidade de Bagdá contra a administração da instituição, dominada por membros importantes do partido Baath, de Saddam.
Motivado por dois anos de prisão e tortura sob Saddam, Bayyati estava determinado a livrar o país -ou pelo menos a universidade- dos remanescentes dos mais ardorosos partidários do ditador.
Mas agora ele acredita que esse esforço esteja fracassando. O que realmente incomoda o professor é que, depois de mais de dois meses, o espectro de Saddam ainda se faça sentir por todo o Iraque.
A despeito da presença de 140 mil soldados norte-americanos no país, Bayyati e muitos outros iraquianos, de origens e posições políticas bastante diversificadas, não têm a sensação de que a vitória tenha sido consolidada. Não vêem a emergência de um poder capaz de eliminar todos os vestígios do um dia todo-poderoso Saddam.
Os ataques contra as forças americanas e britânicas e a sabotagem de instalações elétricas e petrolíferas críticas para a recuperação econômica e social do país vêm alimentando uma nova psicologia do medo no Iraque.
Bayyati, uma dentre os milhares de vítimas de Saddam, decidiu tomar a decisão pessoal de partir porque teme voltar a ser vítima. "Acredito que as coisas venham a piorar caso não sejam tomadas medidas reais", disse, se referindo aos esforços até agora infrutíferos para desarmar os iraquianos ainda leais a Saddam.
Muitos dos partidários de Saddam, ao que se acredita, teriam acesso a arsenais ocultos e a dinheiro escondido. Milhares de pessoas viram recusados seus pedidos de emprego no governo por terem ocupado cargos importantes no partido Baath, mas elas continuam em liberdade para subverter o novo regime, caso optem por agir nesse sentido.
Quando multidões se reúnem na capital, hoje em dia, as vozes mais altas são frequentemente as dos partidários de Saddam. Aqueles que falam contra o líder derrubado geralmente o fazem chamando os repórteres para conversas discretas, conduzidas em inglês e aos sussurros, de modo que a maior parte dos circunstantes não as possa compreender.
Muitos iraquianos presumem que Saddam tenha preparado esconderijos muito antes da invasão liderada pelos Estados Unidos. Imaginam que ele esteja oculto em uma fazenda à margem do rio Eufrates, em uma casa no subúrbio de Bagdá ou em uma fortaleza militar, protegido por aliados leais, e essa idéia continua a irradiar um senso de que ele detém poder sobre os iraquianos.
A captura, na semana passada, do assessor mais próximo de Saddam, Abed Hamid Mahmud al Tikriti, gerou uma onda de esperança nas fileiras dos iraquianos que temem a capacidade do ex-ditador para ameaçar seu futuro.

Governo forte
Galab Sadiq Muhammad é padeiro desde a era da monarquia iraquiana, quatro décadas atrás. Hoje em dia, ele se senta em um banco sob uma acácia e passa lá a maior parte de suas tardes, bebendo chá muito doce.
O único remédio que poderia libertar o país da sombra de Saddam, diz ele, seria um novo governo iraquiano capaz de se projetar com grande clareza e vigor por toda uma terra desordeira, dividida em termos étnicos e religiosos.
"Quem quer que surja, nós o chamaremos pai", disse. "Mas, se não tivermos logo um governo iraquiano, não teremos estabilidade, e as coisas serão uma bagunça."
Os limites da autoridade de ocupação americana e britânica são evidentes. Há 55 mil soldados da coalizão estacionados em Bagdá, e eles têm capacidade mais que suficiente para garantir as ruas com seus tanques, mas não são capazes de proteger os iraquianos contra crimes em suas casas, ou, quem sabe, contra a vingança de Saddam.


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