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ANÁLISE
Forças Armadas vivem declínio
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
À primeira vista, a decisão do
juiz federal Rodolfo Canicoba
Corral de mandar prender 45 ex-chefes militares mais um civil,
com vistas a uma eventual extradição para a Espanha, não tem
nada a ver com o governo de Néstor Kirchner.
É decisão do Poder Judiciário,
não do Executivo.
Mas seria ingênuo supor que o
juiz decidiu sem levar em conta o
novo ambiente criado pela gestão
Kirchner, que decidiu enfrentar o
que os argentinos gostam de chamar de "poderes fácticos". Ou seja, aqueles que mandam de fato, à
margem ou acima dos governos
de turno.
Os militares sempre fizeram
parte da lista, embora estejam hoje em forte declínio, por falta de
recursos financeiros e de prestígio
junto ao público.
A disposição do novo presidente pode até provocar mudança em
legislação de seu fracassado antecessor Fernando de la Rúa, que,
em 1999, baixou decreto vetando
extradições.
Kirchner, aliás, acaba de dizer
ao jornal norte-americano "The
Washington Post" que deveriam
ser revogadas as leis que, na prática, perdoaram crimes cometidos
pelos militares no período em que
reinaram absolutos na Argentina,
entre 1976 e 1983.
Se, de fato, for revogado o veto
às extradições e se os acusados forem mandados para a Espanha,
Kirchner estará internacionalizando o conceito de proteção aos
direitos humanos, que já teve
uma exposição anterior durante o
longo período de detenção em
Londres do general Augusto Pinochet, ditador do Chile entre
1973 e 1989.
Pinochet
O mesmo juiz espanhol, Baltasar Garzón, pedira a prisão e a extradição de Pinochet, pelo mesmo
crime de que são acusados agora
os militares argentinos: violação
maciça aos direitos humanos
("genocídio", na acusação contra
Pinochet).
O governo chileno foi cauteloso
na questão, evitando ao máximo
cutucar o "poder fáctico" ainda
representado pelos militares do
país, que, por sua vez, reagiram
vivamente ao processo.
Kirchner, ao contrário, parece
disposto a ir até o fim, para o que
contribui o fato de que os militares argentinos, ao contrário dos
chilenos, já não são realmente um
poder determinante.
Prova-o o fato de que assistiram, inermes, a uma crise política, econômica e social, que engoliu, sucessivamente, três presidentes e produziu estatísticas de
pobreza estarrecedoras no país
que sempre se orgulhou de ser o
mais rico e o mais homogêneo da
América Latina.
Agora, o desdobramento do pedido de prisão e eventual extradição será, tendencialmente, o último prego no caixão dos militares
como poder de fato.
Afinal, na lista dos que podem
ser extraditados estão seis oficiais
que fizeram parte das juntas militares que governaram a Argentina
de 1976 a 1983, sem contar todos
os nomes mais emblemáticos da
repressão.
Nada trivial, portanto.
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