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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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ANÁLISE

Forças Armadas vivem declínio

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

À primeira vista, a decisão do juiz federal Rodolfo Canicoba Corral de mandar prender 45 ex-chefes militares mais um civil, com vistas a uma eventual extradição para a Espanha, não tem nada a ver com o governo de Néstor Kirchner.
É decisão do Poder Judiciário, não do Executivo.
Mas seria ingênuo supor que o juiz decidiu sem levar em conta o novo ambiente criado pela gestão Kirchner, que decidiu enfrentar o que os argentinos gostam de chamar de "poderes fácticos". Ou seja, aqueles que mandam de fato, à margem ou acima dos governos de turno.
Os militares sempre fizeram parte da lista, embora estejam hoje em forte declínio, por falta de recursos financeiros e de prestígio junto ao público.
A disposição do novo presidente pode até provocar mudança em legislação de seu fracassado antecessor Fernando de la Rúa, que, em 1999, baixou decreto vetando extradições.
Kirchner, aliás, acaba de dizer ao jornal norte-americano "The Washington Post" que deveriam ser revogadas as leis que, na prática, perdoaram crimes cometidos pelos militares no período em que reinaram absolutos na Argentina, entre 1976 e 1983.
Se, de fato, for revogado o veto às extradições e se os acusados forem mandados para a Espanha, Kirchner estará internacionalizando o conceito de proteção aos direitos humanos, que já teve uma exposição anterior durante o longo período de detenção em Londres do general Augusto Pinochet, ditador do Chile entre 1973 e 1989.

Pinochet
O mesmo juiz espanhol, Baltasar Garzón, pedira a prisão e a extradição de Pinochet, pelo mesmo crime de que são acusados agora os militares argentinos: violação maciça aos direitos humanos ("genocídio", na acusação contra Pinochet).
O governo chileno foi cauteloso na questão, evitando ao máximo cutucar o "poder fáctico" ainda representado pelos militares do país, que, por sua vez, reagiram vivamente ao processo.
Kirchner, ao contrário, parece disposto a ir até o fim, para o que contribui o fato de que os militares argentinos, ao contrário dos chilenos, já não são realmente um poder determinante.
Prova-o o fato de que assistiram, inermes, a uma crise política, econômica e social, que engoliu, sucessivamente, três presidentes e produziu estatísticas de pobreza estarrecedoras no país que sempre se orgulhou de ser o mais rico e o mais homogêneo da América Latina.
Agora, o desdobramento do pedido de prisão e eventual extradição será, tendencialmente, o último prego no caixão dos militares como poder de fato.
Afinal, na lista dos que podem ser extraditados estão seis oficiais que fizeram parte das juntas militares que governaram a Argentina de 1976 a 1983, sem contar todos os nomes mais emblemáticos da repressão.
Nada trivial, portanto.


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