São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ÁFRICA

Influência do Brasil supera a de Portugal, antiga metrópole, e é determinante no país que Lula visitará nesta semana

Em Cabo Verde, Brasil já é potência global

MARCOS FONSECA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O pequeno Cabo Verde, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita nesta quinta-feira, na sua segunda viagem à África em menos de dois anos de mandato, é o exemplo perfeito da crescente influência brasileira no continente, um dos objetivos da política externa brasileira desde os anos 90.
Exemplos não faltam: vão do inusitado e sólido fluxo de sacoleiros que percorrem os 5.100 km entre o país e o bairro do Brás, em São Paulo, até a crescente influência da mídia brasileira, passando por um premiê formado na Fundação Getúlio Vargas, um comércio bilateral em ascensão e o tradicional apreço pela MPB.
Essas ações revelam como, em países que falam português, o Brasil compete e às vezes ultrapassa a presença da antiga metrópole colonial, Portugal. Realiza assim, em pequena escala, a antiga aspiração da política externa brasileira de fazer do país uma potência global.
A inauguração da ligação aérea entre a ilha do Sal e Fortaleza (três horas de vôo), em novembro de 2001, fez os cabo-verdianos mudarem seus destinos turísticos. A Europa cedeu lugar ao Ceará, que passou a ser um destino para Réveillon, Carnaval e férias.
Acompanhado de mais de uma dezena de empresários, Lula buscará na África mercado para produtos e serviços brasileiros. Também vai anunciar uma redução nas taxas de importação para produtos de países africanos em desenvolvimento, sobretudo os de língua portuguesa.
Em Cabo Verde, ele encontrará um país com fraca capacidade produtiva e que importa quase tudo que consome. Uma economia que depende de ajuda externa e da remessa de divisas dos emigrantes espalhados pelo mundo.
O empresariado local também vê com bons olhos a aproximação comercial com o Brasil, atraídos pela qualidade dos produtos, pelos preços atraentes e, principalmente, pela desvalorização do real, que favorece quem compra em euro ou dólar.
As exportações brasileiras para o arquipélago cabo-verdiano cresceram de US$ 7,2 milhões em 2001 para US$ 10,2 milhões em 2003, conforme dados do Banco Central de Cabo Verde. Os principais produtos negociados são alimentos, têxteis, calçados e materiais de construção. A exploração de petróleo pela Petrobras poderá ser outro setor a render negócios.

Futebol e rádio
A presença do Brasil é muito marcante no dia-a-dia dos cabo-verdianos. Os gêneros musicais típicos do país, morna e coladeira, têm na sua estrutura evolutiva elementos da cultura brasileira. A música, o futebol, as telenovelas, as rádios e as revistas brasileiras foram responsáveis pela massificação dessa influência.
A cantora Cesária Évora, vencedora do Grammy de world music deste ano, diz que tem em Ângela Maria a sua fonte de inspiração. Músicas brasileiras de todos os estilos marcam presença diária nas rádios, nas festas e nas discotecas.
O futebol da pátria de chuteiras tem nas ilhas fãs atentos. Grande parte da população torce pela seleção canarinho. O tetra e o penta foram festejados como se tivessem sido uma conquista nacional.
Alguns dos times do Brasil, como o Corinthians -que dá nome a um clube de futebol juvenil na ilha de São Vicente-, o Palmeiras, o São Paulo, o Vasco e o Santos -devido aos fenômenos Robinho e Diego- estão vendo sua torcida crescer no país.
Inspirado nas FMs brasileiras, o psicólogo de comunicação Giordano Custódio, formado em Minas Gerais, revolucionou o mercado radiofônico.
Ele criou a Praia FM, uma emissora dinâmica, ágil e que valoriza a cultura nacional, rompendo com o formalismo vigente até então no setor.
Em três meses o veículo tornou-se líder de audiência na capital do país, posição que mantém até hoje, passados cinco anos. A mesma fórmula foi aplicada há dois anos à rádio Morabeza, que ocupava o último lugar em São Vicente, a segunda economia do país, e o resultado foi o mesmo.
A visita de Lula a Cabo Verde criou expectativas na comunidade radicada no Brasil, que quer ver algumas conquistas para estreitar mais ainda as relações. "Espero que a visita contribua para aumentar as trocas comerciais entre nossos países e que o Brasil se abra mais para que artistas cabo-verdianos venham cá mostrar nossa cultura" diz José Augusto do Rosário, presidente da Associação Cabo-Verdiana no Brasil.

Crescimento
Cabo Verde, que se tornou independente de Portugal em 1975 e teve suas primeiras eleições livres em 1991, integra o grupo de países de médio desenvolvimento humano, segundo os critérios da ONU. O país está na 105º colocação no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). E a cooperação com o Brasil foi um fator importante nesse avanço.
O perdão parcial da dívida externa por parte do Brasil, em 1999, e a renegociação das parcelas em atraso contribuíram para a consolidação da economia do arquipélago, assim como as centenas de cidadãos formados em universidades brasileiras que voltaram.
O Programa Estudante Convênio de Graduação, que o Brasil coloca à disposição de países em desenvolvimento, revelou-se o mais bem-sucedido modelo de cooperação entre os dois países.
Por meio dele, centenas de cabo-verdianos se formaram em instituições de ensino brasileiras. O atual premiê, José Maria Neves, formado em administração pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, é um dos que se beneficiaram dessa parceria.
Ex-alunos que voltaram para trabalhar no país criaram em São Vicente a Casa do Brasil de Cabo Verde, uma instituição sem fins lucrativos com o objetivo de estimular mais ainda o intercâmbio.


Texto Anterior: Religião: Boneca de véu que lê Alcorão é alternativa islâmica à Barbie
Próximo Texto: Camelôs cruzam Atlântico para comprar em SP
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.