São Paulo, domingo, 25 de julho de 2004

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Camelôs cruzam Atlântico para comprar em SP

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há seis anos, Maria de Lurdes Santos, 36, casada e mãe de dois filhos, e a amiga Fernanda Évora, 40, vêm a São Paulo duas vezes por ano. Elas compram roupas, calçados e produtos para cabelo em lojas populares do Brás e da José Paulino para revender em seu país, Cabo Verde.
O exercício dessa profissão de camelô internacional, lá chamada de "rabidantes" (de uma das variantes do dialeto crioulo), também exige que as centenas de patrícios se atualizem para se dar bem no concorrido negócio.
As telenovelas são o termômetro. São elas que ditam quais produtos a serem comprados. "Tenho de levar roupas de surfista, bermudas, jeans, camisetas, calcinhas. Se comprar calcinhas noutro país, os consumidores não compram, eles exigem que sejam "made in Brazil'", ressalta Lurdes.
Nascida numa família de comerciantes, ela fez da travessia do Atlântico rumo ao Brasil não uma aventura, mas sim sua rota em busca do sustento de sua família e a garantia de seu posto de trabalho. "Antes comprava de outros para revender, depois decidi vir eu mesma buscar produtos aqui no Brasil", conta.
A concorrência de comerciantes orientais e o crescente aumento de pessoas se dedicando a esse ramo têm aumentado o tempo necessário para vender os produtos. Lurdes, que em média vai carregada com cerca de 150 kg, vendia tudo em apenas um mês. Agora ela precisa de três meses para conseguir comercializar toda a mercadoria.
Os "rabidantes" são atraídos ao Brasil pela qualidade dos produtos para os jovens. Também outros fatores determinantes são os preços baixos, as promoções e a desvalorização do real, que lhes permitem comprar mais pagando menos.
Para Lurdes, o Brasil é um país muito bom, e ela viveria aqui sem problema porque se sente totalmente em casa. O país também para ela é uma escola de vida. "Faço muitas amizades, aprendo a lidar com a moda e a atender meus clientes." "Aqui o atendimento é excelente", completa.
Esse setor, que há mais de 15 anos vêm mantendo as relações comerciais entre os dois países, reclama que não recebe nenhum tipo de apoio das autoridades. "É cada um por si", desabafa Lurdes.
A ausência de uma associação que os represente também tem prejudicado muito esses comerciantes. A cada viagem, eles gastam em torno de US$ 20 mil, entre passagens, estadia, compras, taxas de excesso de bagagem e impostos aduaneiros.
Lurdes afirma que o Brasil é tudo para ela. Não ganha para ficar rica, mas vai conseguindo o necessário para a subsistência.
"Se não tivesse essa oportunidade, seria mais uma desempregada", afirma.
A afinidade cultural e a língua comum facilitam a integração, acrescenta ela. Diz nunca ter sido discriminada, mas conta que, antes da vir para cá pela primeira vez, tinha muito medo e achava São Paulo muito violenta, influenciada pelas imagens que o "Cidade Alerta", noticiário da TV Record, leva diariamente aos lares cabo-verdianos.
"Chegando aqui, vi que não era bem assim. Dá para circular tranqüilamente pelas ruas, fazer minhas compras." Ela também fica espantada pelo fato de as pessoas colocarem suas bancas de venda na rua e ninguém mexer. "Em Cabo Verde não arrisco fazer isso", diz Lurdes.
Outra questão que a impressiona é a disposição dos brasileiros, que trabalham duro, contrastando com a fama que têm em Cabo Verde -a de que não gostam de trabalhar. (MF)


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