São Paulo, terça-feira, 25 de julho de 2006

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Brasileiras voltam; maridos ficam no Líbano

Com desembarques em Recife, SP e Rio, vôo trouxe ontem 139 brasileiros e 9 estrangeiros que fugiram do Líbano

Após 38 horas de viagem, 148 pessoas chegam ao país em vôo militar; mulheres trazem filhos ao Brasil, mas maridos ficam no Líbano

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

A segunda leva de brasileiros que fugiram do Líbano chegou ontem ao país, em vôo da Força Aérea Brasileira (FAB), com 148 pessoas -sendo oito libaneses e uma paraguaia. O vôo, de 14 horas, partiu de Adana (Turquia), após 24 horas desde a saída do comboio de ônibus da capital libanesa, Beirute.
Mais de uma hora antes da chegada, a família de Sicna Abdallah, 27, já a esperava com cartazes diante da área de desembarque internacional do aeroporto de Guarulhos, a terceira parada do vôo, após Argel (Argélia), onde desembarcaram três pessoas, e Recife (PE). A aeronave ainda seguiu para o Rio, onde passaria por revisão e embarcaria de volta à Turquia.
"Graças a Allah, vocês chegaram", dizia uma placa vermelha feita pela prima de Sicna, Renata Nached Serhal, 25. "Ela teve que se esconder dentro de um porão por cinco dias", contou Renata, antes da chegada da prima. "A gente mandou mais de 20 e-mails para o consulado em Beirute e para a embaixada brasileira falando que ela tinha um bebê de dois meses."
Sicna foi recebida com gritos e choro. Ela, que se casou e mora há seis anos no Líbano, chegou com o bebê, com um filho de 2 anos e outro de 6 -o marido ficou no Líbano.
O mesmo ocorreu ao marido de Antônia Merhi. Ela chegou a São Paulo com três filhos.
"Perguntei se meu marido poderia ir, eles disseram que ele não tinha visto para a Turquia. Cancelei a minha viagem, depois pensei direitinho, voltei a ligar, aceitei vir, mas vou trabalhar aqui por ele e por todos os libaneses casados com brasileiras", diz Antônia, que morava em Antilyas e foi recebida pelo irmão, Antônio Youssef, e pelo pai, Rachid, com camisetas estampadas com a bandeira libanesa e a palavra "Paz".
Também Carla Mussallam al Masri e Leila Ajouri, ambas casadas com libaneses, vieram com os filhos e sem os maridos. O de Leila também por problemas com visto. O de Carla ficou para "aguardar o que vai acontecer". "Eu quase me arrependo. Na fronteira da Síria, quase desci do ônibus para voltar. Meu marido chorando, e a gente indo embora", conta Carla, que veio com as duas filhas, de 4 anos e 8 anos.
No meio do saguão, Fahime El Khatib, que também havia chegado no vôo da FAB, parou o representante do Itamaraty em São Paulo, Jadiel Ferreira de Oliveira, para falar sobre seus filhos, de dez e seis anos, cuja vinda não foi permitida pelo pai, palestino que mora no Líbano. "Quem sabe se alguém da embaixada falar com eles, eles se tocam e mandam meus meninos pelo menos até passar a guerra?", pedia a brasileira. "Vai dar tudo certo, Fahime", dizia Oliveira.
Fátima Orra, libanesa radicada há 52 anos no Brasil, voltou no dia 11 -um dia antes do início da guerra- da região do vale do Bekaa, de onde dois cunhados voltavam ontem. "Não vi nada quando saí, estava um Paraíso", conta Fátima, prima de Dib Barakat, morto na semana passada em ataque israelense.

Recife
Com pouco mais do que a roupa do corpo, a família do encarregado de construção civil Ali Said Chaito, 66, desembarcou ontem em Recife.
Chaito, a mulher Maria do Socorro, 42, e três filhos deixaram casas, terrenos, jóias e automóveis. No Brasil, com R$ 1.470 no bolso, não tinham como viajar de avião a Belém (PA), onde têm parentes.
A comunidade libanesa em Recife se mobilizou para ajudá-los. Enviou dois carros para levá-los à rodoviária, onde embarcaram em um ônibus para uma viagem de 36 horas.
Libanês naturalizado brasileiro, Chaito deixou o Brasil em 1992, após 34 anos no país. Sua mulher e dois dos filhos são paraenses. No Líbano, a família vivia no povoado de Dair Intar, a 100 km ao sul de Beirute.
"Os aviões começaram a destruir tudo por lá, mas a gente pensava: amanhã acaba. Em pouco tempo começou a faltar comida, gasolina. Ficou pior e resolvemos ir embora", disse.
Segundo Chaito, o clima na viagem foi tenso. "Na fronteira com a Síria, tivemos que pagar US$ 40 por cabeça para passar." O medo só acabou quando o grupo embarcou em Adana.
"Foi emocionante", declarou o libanês naturalizado. "Quando os pneus bateram no chão, todos aplaudiram", contou.
Ele e a mulher choraram ao contar a história da fuga. "Agradeço a todos pela ajuda, mas quero voltar ao Líbano depois da guerra", disse. "Tudo o que temos ficou por lá."


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