São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2004

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OLHAR BRASILEIRO

Um páreo duro

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

A poucos dias da eleição, a campanha presidencial americana continua empatada. Os três debates na TV, sobretudo o primeiro, mudaram a dinâmica do pleito. Uma eleição que parecia entregue, com Bush a boa distância de Kerry, embolou os candidatos na margem de erro das sondagens.
Nunca é demais repetir que os EUA tomaram outra feição depois do 11 de Setembro. O trauma deixou seqüelas duráveis que têm sido subestimadas pela opinião pública internacional. As violências diárias envolvendo os soldados americanos no Iraque, os alertas repetidos do governo sobre a ameaça de novos atentados nos EUA, o estranhamento diante de boa parte dos países ocidentais e do mundo muçulmano perpetuam a insegurança.


Bush revelou-se um grande político, capaz de transformar a insegurança dos americanos numa estratégia de afirmação imperial


Desmentindo o ceticismo -e até o escárnio- de muita gente boa, Bush revelou-se um grande político, transformando a insegurança dos americanos numa estratégia de afirmação imperial, cujo lema é sua frase histórica: "Ou se está conosco ou contra nós". Como explicou um funcionário do alto escalão da Casa Branca ao "New York Times": "Nós agora somos um império, e, quando agimos, criamos nossa própria realidade". Trocando em miúdos, a ONU, o concerto das nações e, em certa medida, o direito internacional (veja-se o caso dos presos em Guantánamo) devem ficar subordinados à conveniência do governo americano.
O sentimento de insegurança também leva muitos americanos a preferir a reeleição de Bush. Para tais eleitores, a mudança de presidente e de equipe de governo faria o país correr riscos suplementares num momento difícil.
Até agora, John Kerry não conseguiu reverter esse quadro. Suas propostas sobre o Iraque parecem confusas para a maioria do eleitorado. Há o temor de que uma retirada das tropas americanas transforme a região num covil de jihadistas. Sobretudo, Kerry não consegue levar a questão econômica para o centro da campanha eleitoral. O Iraque e a insegurança diante do terrorismo se sobrepõem ao debate de questões favoráveis à candidatura democrata: as deficiências da saúde pública, o aperto pelo qual passa a classe média (tema recorrente nas falas de Kerry) e a alta do desemprego.
O empate técnico registrado até agora nas sondagens revela um sentimento de insatisfação com os dois candidatos. Desde logo, os especialistas avançam alguns dados que podem desempatar o pleito. Em alguns dos Estados cujo eleitorado ainda não se definiu e que possuem um número elevado de delegados no Colégio Eleitoral (Flórida, Ohio, Wisconsin e Minnesota), há temas polêmicos -o aborto, o casamento gay- capazes de mobilizar o eleitorado a favor de Bush. Há ainda outra possibilidade: uma indecisão na contagem dos votos que jogaria de novo a eleição presidencial nas mãos dos juízes da Suprema Corte. Mas, nos últimos quatro anos, muita coisa mudou. Com um país eleitoralmente dividido, em meio a uma grande polarização política, um novo fiasco do sistema eleitoral e uma eleição decidida de novo no tapetão abalariam as bases da democracia americana.

Luiz Felipe de Alencastro, 58, é professor titular da Universidade de Paris-Sorbonne e pesquisador visitante da Universidade Brown (EUA)


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