São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2006

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CIA usou empresas comerciais de aviação em prisões polêmicas

Operações de seqüestro de suspeitos de terrorismo teriam contado com firmas de fachada e até com uma subsidiária da Boeing; empresas se defendem

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

A CIA, a agência de inteligência norte-americana, usou empresas de avião de fachada, firmas legítimas e até uma subsidiária da Boeing na operação secreta "Extraordinary Rendition" [rendição extraordinária], o programa de seqüestros-relâmpago de suspeitos de terrorismo em países europeus e sua transferência para países do Oriente Médio e Ásia Central mais flexíveis em relação ao uso de tortura.
A informação sobre o uso das empresas de fachada e de pequenas firmas consta do livro "Ghost Plane - The True Story of the CIA Torture Program" (avião fantasma - a verdadeira história do programa de tortura da CIA), recém-lançado por Stephen Grey, repórter especializado em comunidade de inteligência que colabora para jornais como "New York Times" e "Guardian".
Foi confirmada à Folha pelo jornalista. "Não tenho dúvidas de que a operação continua na ativa hoje em dia e é aprovada diretamente pela Casa Branca." Já a acusação à Boeing foi feita por um ex-empregado da subsidiária Jeppesen à jornalista Jane Mayer, da revista semanal "The New Yorker".
A Aero Contractors, empresa da Carolina do Norte citada por Stephen Grey em seu livro como uma das mais ativas na colaboração, se defende dizendo que o livro tem "muitas insinuações e poucos fatos" e que apenas aluga seus aviões, mas não é responsável pelo que as pessoas fazem com eles depois disso. A CIA não comenta o caso. A Boeing disse a Mayer que os planejamentos de vôos que a empresa fornece a clientes são "confidenciais".
A operação "rendição extraordinária" não é invenção do governo Bush, mas vem sendo utilizada com espantosa freqüência desde o 11 de Setembro. Em discurso em setembro, o presidente norte-americano admitiu parte de sua existência, ao confirmar que a CIA mantinha prisões secretas espalhadas pelo mundo.
A operação completa, porém, envolve a prisão-relâmpago de suspeitos de terrorismo em países europeus, sua transferência para prisões localizadas em países amigos e, segundo acusam ex-prisioneiros e organizações de direitos humanos, a prática de tortura na obtenção de informações.
Até então, suspeitava-se da colaboração de empresas aéreas no fornecimento de logística para viabilizar essas "transferências". Stephen Grey e Jane Mayer dão nomes aos bois. O primeiro baseia suas afirmações em entrevistas que fez com ex-prisioneiros e com membros graduados da administração Bush, que pediram para não ser identificados, mas principalmente em planos de vôo registrados por essas empresas e obtidos com o governo espanhol.
Segundo um dos planos de vôo, este obtido por Jane Mayer, a Jeppesen ajudou na transferência de Khaled el-Masri, um vendedor de carros alemão que teria sido confundido com um membro homônimo da Al Qaeda enquanto cruzava a fronteira entre a Sérvia e a Macedônia de ônibus, entregue pelas autoridades locais à CIA e embarcado num Boeing.
Pelo plano de vôo da Jeppesen, o avião voou para Bagdá, no Iraque, e dali para Cabul, no Afeganistão. Durante o vôo, Masri afirma ter sido sedado e acorrentado ao chão; uma vez em terra, foi aprisionado por quatro meses numa solitária. Ele seria solto em 2004, por ordem direta da então conselheira de Segurança Nacional, Condoleezza Rice.


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