São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

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Cidade iraquiana é emblema de anseio separatista curdo

Irbil, no norte, se distingue do restante do Iraque por não registrar violência militante e por sua expansão econômica

Localidade de 1 milhão de habitantes tem diversos shoppings, academias de ginástica, carros de luxo e clínica de cirurgia plástica

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A IRBIL

Maior povo sem Estado no Oriente Médio, os curdos fizeram da cidade de Irbil, ao norte do Iraque, a principal vitrine de suas ambições nacionalistas.
Irbil é capital de uma área que não é reconhecida como país, mas tem bandeira, hino nacional, idioma e sistema de ensino exclusivos. Os curdos do Iraque dispõem até de um presidente e de um Parlamento, além de uma força de polícia e Exército próprios.
Do ponto de vista legal, o Curdistão Iraquiano é uma região sob tutela do governo central. Mas, numa situação potencialmente explosiva, Irbil se parece cada vez mais com a capital de um país que cresce dentro de outro.
Na contramão de Bagdá e demais cidades de maioria árabe no país, que ainda sofrem com a violência insurgente e penam para se reerguer após duas guerras, Irbil prospera em paz desde a queda de Saddam Hussein, em 2003.
As fachadas das lojas do centro são quase todas novas e cobertas de neons coloridos. Por toda parte há outdoors com anúncios de marcas globais como Nokia e Pepsi. Ao contrário de Bagdá, situada 320 km ao sul, supermercados e restaurantes de Irbil podem vender bebidas alcoólicas sem alvará.
A cidade de 1 milhão de habitantes tem quatro shoppings, cinco concessionárias de carros de luxo, dezenas de academias de ginástica e até uma clínica de cirurgia plástica.
A Folha visitou a recém-construída sala de patinação no gelo, orgulho dos habitantes. Penduradas no teto da pista estão bandeiras do Brasil, dos EUA e do arco-íris gay, entre outras. O som ambiente é a música eletrônica.
A cidade, construída no século 20 antes de Cristo em uma planície árida cercada por montanhas, tem vários complexos esportivos e um imponente estádio, que abriga os jogos do time local de futebol, atual tricampeão do Campeonato Nacional.
As bem sinalizadas artérias de Irbil foram todas reconstruídas e alargadas nos últimos anos. O aeroporto, reluzente de vidro e metal, tem voos diretos à Europa e ao Oriente Médio.
Há canteiros de obras de todos os tipos e tamanhos. Bairros inteiros estão sendo erguidos nos descampados da periferia. Na sexta-feira, dia feriado no Iraque, é possível ver dezenas de escavadeiras e máquinas de construção enfileiradas em terrenos baldios.
O ar é seco e carregado de uma poeira grossa que deixa acinzentado o céu sem nuvens. A temperatura nesta época do ano oscila entre 23C e 30C.

Segurança
A sensação de segurança surpreende o visitante. Ocidentais andam tranquilamente pelo centro da cidade, onde o policiamento é quase imperceptível. Salvo alguns hotéis e prédios oficiais, se pode entrar em qualquer edifício sem ser revistado e sem passar por detector de metal. O governo curdo cercou a cidade de postos de controle militar.
No fim de tarde, as ruas são tomadas por crianças uniformizadas voltando sozinhas para casa após as aulas. À noite, os terraços de restaurantes e cafés ficam lotados de gente fumando narguilé.
"Aqui é tão seguro como a Europa", diz Ahmed, 25, pizzaiolo. "Somos curdos, não somos violentos como os árabes", afirma ao explicar por que, segundo ele, Irbil não sofre da violência que afeta Bagdá.
Prevalece entre os moradores de Irbil o sentimento de que o atual governo de Bagdá os discrimina, apesar de não atacá-los fisicamente como o regime de Saddam.
A maior parte vê Irbil como prova de que os curdos podem e devem se autogerirem. As eleições provinciais e legislativas de julho acirraram os ânimos políticos na região e serviram de plataforma para promessas de autonomia baseadas no êxito econômico e de segurança.

Favelas e falta de luz
Mas problemas persistem. A eletricidade cai várias vezes ao dia, em meio à indiferença geral. Redes de telefones e internet também estão sujeitas a frequentes falhas.
A explosão econômica não beneficia a todos, e as novas construções incluem favelas onde se amontoam pessoas vindas de outras regiões e até de outros países em busca de segurança e emprego.
Empresários estrangeiros ouvidos pela reportagem admitem que nada se consegue sem corromper funcionários do governo. Para o representante de uma firma americana, autoridades de Irbil são autoritárias, pouco transparentes e norteadas por uma anacrônica lógica de clãs e tribos.
Segundo ele, mesmo que "muitas coisas estejam dando certo" e que o Curdistão seja a região mais desenvolvida do Iraque, os curdos cometeriam um grande erro se escolhessem se voltar para dentro.


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