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Cidade iraquiana é emblema de anseio separatista curdo
Irbil, no norte, se distingue do restante do Iraque por não registrar violência militante e por sua expansão econômica
Localidade de 1 milhão de habitantes tem diversos shoppings, academias de ginástica, carros de luxo e clínica de cirurgia plástica
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A IRBIL
Maior povo sem Estado no
Oriente Médio, os curdos fizeram da cidade de Irbil, ao norte
do Iraque, a principal vitrine de
suas ambições nacionalistas.
Irbil é capital de uma área
que não é reconhecida como
país, mas tem bandeira, hino
nacional, idioma e sistema de
ensino exclusivos. Os curdos do
Iraque dispõem até de um presidente e de um Parlamento,
além de uma força de polícia e
Exército próprios.
Do ponto de vista legal, o
Curdistão Iraquiano é uma região sob tutela do governo central. Mas, numa situação potencialmente explosiva, Irbil se parece cada vez mais com a capital de um país que cresce dentro de outro.
Na contramão de Bagdá e demais cidades de maioria árabe
no país, que ainda sofrem com a
violência insurgente e penam
para se reerguer após duas
guerras, Irbil prospera em paz
desde a queda de Saddam Hussein, em 2003.
As fachadas das lojas do centro são quase todas novas e cobertas de neons coloridos. Por
toda parte há outdoors com
anúncios de marcas globais como Nokia e Pepsi. Ao contrário
de Bagdá, situada 320 km ao
sul, supermercados e restaurantes de Irbil podem vender
bebidas alcoólicas sem alvará.
A cidade de 1 milhão de habitantes tem quatro shoppings,
cinco concessionárias de carros
de luxo, dezenas de academias
de ginástica e até uma clínica de
cirurgia plástica.
A Folha visitou a recém-construída sala de patinação no
gelo, orgulho dos habitantes.
Penduradas no teto da pista estão bandeiras do Brasil, dos
EUA e do arco-íris gay, entre
outras. O som ambiente é a
música eletrônica.
A cidade, construída no século 20 antes de Cristo em uma
planície árida cercada por
montanhas, tem vários complexos esportivos e um imponente estádio, que abriga os jogos do time local de futebol,
atual tricampeão do Campeonato Nacional.
As bem sinalizadas artérias
de Irbil foram todas reconstruídas e alargadas nos últimos
anos. O aeroporto, reluzente de
vidro e metal, tem voos diretos
à Europa e ao Oriente Médio.
Há canteiros de obras de todos os tipos e tamanhos. Bairros inteiros estão sendo erguidos nos descampados da periferia. Na sexta-feira, dia feriado
no Iraque, é possível ver dezenas de escavadeiras e máquinas
de construção enfileiradas em
terrenos baldios.
O ar é seco e carregado de
uma poeira grossa que deixa
acinzentado o céu sem nuvens.
A temperatura nesta época do
ano oscila entre 23C e 30C.
Segurança
A sensação de segurança surpreende o visitante. Ocidentais
andam tranquilamente pelo
centro da cidade, onde o policiamento é quase imperceptível. Salvo alguns hotéis e prédios oficiais, se pode entrar em
qualquer edifício sem ser revistado e sem passar por detector
de metal. O governo curdo cercou a cidade de postos de controle militar.
No fim de tarde, as ruas são
tomadas por crianças uniformizadas voltando sozinhas para casa após as aulas. À noite, os
terraços de restaurantes e cafés
ficam lotados de gente fumando narguilé.
"Aqui é tão seguro como a
Europa", diz Ahmed, 25, pizzaiolo. "Somos curdos, não somos violentos como os árabes",
afirma ao explicar por que, segundo ele, Irbil não sofre da
violência que afeta Bagdá.
Prevalece entre os moradores de Irbil o sentimento de que
o atual governo de Bagdá os discrimina, apesar de não atacá-los fisicamente como o regime
de Saddam.
A maior parte vê Irbil como
prova de que os curdos podem e
devem se autogerirem. As eleições provinciais e legislativas
de julho acirraram os ânimos
políticos na região e serviram
de plataforma para promessas
de autonomia baseadas no êxito econômico e de segurança.
Favelas e falta de luz
Mas problemas persistem. A
eletricidade cai várias vezes ao
dia, em meio à indiferença geral. Redes de telefones e internet também estão sujeitas a
frequentes falhas.
A explosão econômica não
beneficia a todos, e as novas
construções incluem favelas
onde se amontoam pessoas
vindas de outras regiões e até
de outros países em busca de
segurança e emprego.
Empresários estrangeiros
ouvidos pela reportagem admitem que nada se consegue sem
corromper funcionários do governo. Para o representante de
uma firma americana, autoridades de Irbil são autoritárias,
pouco transparentes e norteadas por uma anacrônica lógica
de clãs e tribos.
Segundo ele, mesmo que
"muitas coisas estejam dando
certo" e que o Curdistão seja a
região mais desenvolvida do
Iraque, os curdos cometeriam
um grande erro se escolhessem
se voltar para dentro.
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