São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2010

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Não há luz no fim do túnel, afirma chefe da Minustah

Empossado após tremor, Edmond Mulet diz pretender "refundar" o Haiti

Diplomata elogia ação brasileira no país e diz esperar tranquilidade na eleição presidencial de 28 de novembro

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

O escritório de Edmond Mulet, 59, tem uma rachadura na parede, bem atrás de sua cadeira. Sobre a mesa, computador, impressora, um copo com água. De plástico. Vida difícil por lá. E desde sempre. Chefe da Minustah (missão da ONU no Haiti), Mulet ocupou o posto do tunisiano Hédi Annabi, morto no terremoto de janeiro. Em entrevista à Folha, o diplomata guatemalteco diz que o país nunca esteve tão preparado como agora para as eleições presidenciais em 28 de novembro. Não descarta, porém, violência na votação. E é direto, ao falar da situação do país: não vê a luz no fim do túnel.

 

Folha - Qual é sua opinião sobre a ação do Brasil no Haiti?
Edmont Mulet
- É um dos compromissos mais positivos e construtivos em anos. O Brasil realmente fez a diferença. Foi o primeiro a colocar dinheiro nos fundos para a reconstrução e para as eleições. Quando o presidente [René] Préval pediu ajuda técnica para construir uma nova hidroelétrica aqui, foi o Brasil que levantou a mão... Desde o terremoto, o Brasil já mandou mais de 300 voos com ajuda humanitária. Mais de 300 voos em nove meses! Ninguém fez nada parecido.

Você falou em paz. Haverá paz na eleição de novembro?
Não imaginamos grandes problemas. Trabalhamos com a polícia nacional e o governo para oferecer a segurança que uma eleição exige. Estamos mais bem preparados que nunca.

A ONU expressou preocupação quanto à entrada ilegal de armas, temendo que isso tivesse a ver com a eleição...
Sim, é uma preocupação. Conduzimos investigações, e detectamos um movimento maior de entrada de armas. Não é nada em grande escala, mas algo está acontecendo. Já prendemos pessoas. Isso tem a ver também com o narcotráfico, com lavagem de dinheiro. Sempre que há um Estado fraco, ele aparece, usando o país de corredor.

Na quarta, o ministro da Saúde fez duras críticas ao papel das ONGs. O senhor tem algum comentário a respeito?
Há várias ONGs bem organizadas, responsáveis, profissionais. E que se registram junto ao governo e apresentam relatórios periódicos, como exige a lei. Mostram de onde vem o dinheiro e para onde vai. Mas posso garantir que a maioria não faz isso. É muito fácil dizer que você é uma ONG e achar que tem sinal verde para fazer o que bem entender. Falam que há 10 mil ONGs atuando aqui. Não sei. Mas essa é a República das ONGs. E nem todas têm boas intenções.

Numa escala de 0 a 10, sendo 10 o Haiti antes do terremoto, como anda a reconstrução?
Não queremos o Haiti de antes do terremoto. Não queremos as pessoas vivendo em morros, como era antes. Queremos refundar o país. O que você vê aqui no Haiti não é resultado do terremoto. É resultado do problema social que existia antes. Essa é uma oportunidade de tentar sanar esse problema histórico. Temos de fazer este país ser autossustentável. Acho que não há muitos países-membros da ONU que queiram ficar subsidiando o Haiti para sempre.

Qual seria o prazo ideal?
Depende de quem assumir a Presidência. Em 20 anos, houve seis intervenções estrangeiras. Vinham e iam embora. Agora, precisamos criar instituições sólidas. E essa é a parte mais difícil, criar gente capacitada. Um terço dos funcionários públicos morreu no terremoto. E 86% dos haitianos com ensino secundário não vivem no país. Daí que a capacidade do país de tomar conta de si próprio ainda é muito baixa. Antes, havia uma luz no fim do túnel. A estabilidade política estava lá. A segurança estava lá. Havia algum investimento... Mas daí veio o terremoto. Tivemos que começar do zero de novo.

Não há mais a luz no fim do túnel?
Ainda não vemos a luz no fim do túnel. Ainda não.

O jornalista FÁBIO SEIXAS viajou a convite
de Fundo de População das Nações Unidas



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