São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2003

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SOBREVIVENTE

Estudante se salvou porque pulou do quinto andar do prédio em chamas na universidade

Neve amortece queda e salva brasileiro

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Fernando Ivan Santos Ostrowski, 18, dividia um quarto com três outros estudantes no quinto andar do "Quarentena", nome do edifício residencial -e também do período de adaptação a Moscou- reservado aos estrangeiros recém-chegados para estudar na Universidade da Amizade entre os Povos, ex-Patrice Lumumba.
Poderia ter morrido, como morreram 36 colegas seus no incêndio da madrugada de ontem. Mas a primeira nevasca pesada do outono caiu naquela região da Rússia entre sábado e domingo. Fernando pulou do quinto andar. Machucou-se pouco. Sua queda foi amortecida pela neve.
Era início da madrugada em Moscou. Fernando foi o último de seu quarto a acordar com o som incessante da sirene e os berros de "Fogo, fogo!".
Um de seus colegas tentou sair pela porta. Mas, ao abri-la, recebeu no rosto a lambida de uma fumaça espessa. Recuou. Estava escuro. "Vamos todos morrer", disse um deles. O estudante brasileiro respondeu: "Fiquem quietos, vamos tentar pular".
Internado no Hospital 64 da capital russa com ferimentos leves -fratura em duas costelas e uma suspeita de fratura no antebraço, na altura do punho- Fernando está entre os sobreviventes do incêndio. Estará completamente restabelecido em três semanas.
Ele conversou, por meio do celular de um amigo, com o pai, o advogado Fernando Ostrowski, que mora em Brasília. Também conversou com um diplomata brasileiro que o visitou no hospital, o chefe do setor consular da Embaixada do Brasil em Moscou, Acir Pimenta Madeira.
Disse ao pai acreditar que tenha ocorrido um milagre. A família é bastante religiosa, adventista. Disse também que isso o fazia feliz, mas que estava ao mesmo tempo entristecido porque entre os mortos há conhecidos seus.
A janela do quarto que ele e três outros estudantes ocupavam no alojamento tinha vidraça dupla por causa do frio. A janela foi aberta. Fernando teve a presença de espírito de apanhar uma pasta com todos os seus documentos. Atirou-a para bem longe, no escuro, na direção do jardim.
Olhou para baixo. Labaredas saíam do segundo e do terceiro andares. Sofreria ao menos queimadura grave se pulasse rente às janelas. Precisou tomar impulso ao pular. Pensou em se agarrar aos últimos galhos de uma árvore há semanas desfolhada. Não os alcançou, contou ao diplomata brasileiro que o visitou no hospital.
Vestindo apenas o pijama, caiu sobre a neve e perdeu os sentidos. Acordou já hospitalizado. Outros brasileiros vieram ao seu encontro. Trouxeram roupas, chocolates. Entre os estudantes, Fábio Lopes de Oliveira, residente de medicina na mesma universidade.
Fernando está em Moscou há apenas três semanas. Durante o período de "quarentena", precisaria acelerar o aprendizado do idioma russo. Ele o estudara por um ano e meio em Brasília. Mas não o suficiente para começar o curso de direito internacional.
A idéia de ir para a Rússia, conta sua mãe, Margarete, fermenta um pouco na família. O avô paterno era russo. Emigrou para o Rio Grande do Sul, onde o pai nasceu. O pai se mudou para Brasília. Casou-se com uma goiana.
Fernando tem uma irmã mais velha, que estuda medicina na Argentina. Aos 16 anos, ele já pensava em estudar em Moscou. Terminou o colegial no ano passado, já com um pedido de bolsa. O pedido foi aceito. Fernando se despediu dos pais e embarcou.
Deixou em Brasília o violino. Estuda o instrumento desde pequeno. Sua mãe comentou ontem ter sido providencial que ele não o tenha levado. A exemplo do que aconteceu com as roupas, com os livros e com os objetos pessoais, o violino teria sido calcinado durante o incêndio.


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