São Paulo, domingo, 25 de novembro de 2007

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Risco de violência ronda fracasso de cúpula de Annapolis

Especialistas não esperam avanço em encontro que reunirá israelenses e palestinos nos EUA nesta terça para tratar de paz

Tensão latente na região, alimentada por fragilidade de líderes, pode explodir após reunião; não há nem consenso sobre texto final

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Diante da baixa expectativa em torno da conferência de paz entre israelenses e palestinos que o governo americano promove nesta terça, com a inédita participação do Brasil, o iminente fracasso em obter um avanço palpável não deveria causar grande turbulências. Mas quem vive de perto o conflito vê perigos na possibilidade de o premiê israelense, Ehud Olmert, e o presidente palestino, Mahmoud Abbas, voltarem para casa de mãos vazias.
Até o fechamento desta edição, israelenses e palestinos não tinham concordado nem sequer com um comunicado conjunto, impossibilitado pela fragilidade política de seus líderes e pelas diferentes ambições que cada um projeta para a conferência.
"Quando Olmert diz que a simples realização da conferência já é um triunfo ele comete um erro tremendo", disse à Folha o deputado israelense Yossi Beilin, líder da coalizão de esquerda Meretz-Yachad. "Está faltando dos dois lados um entendimento melhor do alto preço de um novo fracasso. Uma nova decepção enfraquecerá Abbas e o Hamas sairá fortalecido. Com isso, cresce o risco de uma nova explosão de violência."
A biografia de Beilin é marcada por tentativas de buscar uma solução para o conflito. Ele foi um dos arquitetos dos acordos de Oslo, que levaram à assinatura do histórico acordo com os palestinos em 1993. Dez anos depois, já na oposição e frustrado com a estagnação do processo de paz, liderou o grupo de israelenses e palestinos que criou o Acordo de Genebra, um plano de paz arrojado, mas que jamais saiu do papel.
Embora compartilhe do pessimismo geral em relação à conferência que será realizada na cidade americana de Annapolis, no estado de Maryland, Beilin não descarta um avanço. "Espero ouvir coisas que nunca foram ditas, principalmente no do presidente Bush", diz.
"O espectro de possibilidades não é grande. O que é viável no momento é uma declaração de que as bases de um acordo são as fronteiras de 1967. Isso nunca foi dito pelos dois lados, embora o princípio, com algumas variações, seja amplamente aceito", afirma Beilin. "Se isso ocorrer, será um progresso."

Violência latente
Ibrahim Souss, ex-embaixador palestino que hoje dá aulas na Escola de Diplomacia de Genebra, concorda que as baixas expectativas não neutralizam os riscos de mais uma conferência sem resultados. "A violência é latente", diz Souss, que cita o momento delicado vivido pelos três principais líderes como um obstáculo.
"Em Israel há forças tremendas contrárias a qualquer concessão. Os palestinos estão divididos entre o Hamas e o Fatah. E o presidente Bush está sem legitimidade como líder global", afirma.
Enfraquecido politicamente, dificilmente Olmert aceitará uma declaração que implique em compromisso territorial. Falar em fronteiras de 1967 significa a desocupação dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, algo inaceitável para a extrema direita israelense, parte dela na coalizão governista.
"A sobrevivência de Israel seria impossível se voltássemos às fronteiras de 1967", diz Danny Dayan, chefe do conselho de assentamentos da Cisjordânia. "Em um determinado ponto nosso território teria só 13 km de largura, quase a distância entre o centro de São Paulo e o aeroporto de Congonhas. É inconcebível."
Em julho de 2000, também quando estava no fim de seu segundo mandato, o presidente Bill Clinton reuniu o então premiê israelense, Ehud Barak (hoje ministro da Defesa), e o líder palestino Yasser Arafat numa tentativa de selar um acordo de paz definitivo. A ambição era bem maior do que a da cúpula de Annapolis, e a desilusão com as enormes expectativas não correspondidas acabaram ajudando a deflagrar a segunda intifada (revolta) palestina, que deixou milhares de mortos.
Beilin recomenda que as lições de Camp David sejam aplicadas em Annapolis. "A primeira delas é a de que não se chega a uma conferência de paz sem saber como ela terminará", diz. "A segunda é que não se pode pensar que, se o encontro fracassar, em algumas semanas um outro pode ser organizado. Annapolis mostra como uma mobilização internacional como essa é complexa."
O deputado israelense também considera essencial que haja uma proposta americana, e que a Casa Branca tenha capacidade de combinar pressão e persuasão para que ela seja mais que um pedaço de papel.
Até agora, no entanto, além de aumentar o tamanho da mesa de negociação de forma inédita, ao emitir convites para mais de 40 países, a primeira conferência de paz entre israelenses e palestinos do governo Bush pouco promete além de uma foto final tamanho família.

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