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"Garantia dos EUA sobre bases é satisfatória"
Próximo embaixador do Brasil em Washington, Mauro Vieira ressalva que pacto militar com a Colômbia provoca desconforto
Diplomata afirma que Obama já elevou disposição para o diálogo com mundo
e região, mas enfatiza a divergência sobre Honduras
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O embaixador Mauro Vieira,
que assume a Embaixada do
Brasil em Washington no início
de janeiro, diz que "causa constrangimento e preocupação" o
documento oficial do Pentágono confirmando que as bases
militares na Colômbia não se limitam ao combate ao narcotráfico e pretendem aumentar a
presença e a vigilância na região. A seguir os principais trechos de sua primeira entrevista
depois de indicado para a principal embaixada do mundo.
FOLHA - Quais são as prioridades
hoje para as relações Brasil-EUA?
MAURO VIEIRA - Os EUA, hoje,
tomam o Brasil como um interlocutor importante, válido. Ouvem o Brasil não apenas para os
temas bilaterais, mas também
regionais e multilaterais. A boa
química entre os dois presidentes ajuda muito, e eles já se encontraram cinco vezes.
FOLHA - O que é prioritário?
VIEIRA - A questão comercial
bilateral. No ano passado, houve um recorde de US$ 54 bilhões ou US$ 55 bilhões, o que
já faz dos EUA o primeiro parceiro individual do Brasil. Foi
um crescimento maior do que o
dos EUA com países com os
quais eles têm acordos bilaterais de livre comércio.
FOLHA - E o superavit de US$ 4 bilhões dos EUA com o Brasil, com aumento de 284% em relação a mesmo período de 2008?
VIEIRA - Em 2009, de fato houve uma queda na participação
do Brasil no conjunto de exportações para os EUA, mas, em
compensação, as importações
dos EUA para o Brasil aumentaram. Foram de 14% para 17%
de janeiro a julho. O Brasil passou a ser mais importante do
ponto de vista dos produtores e
exportadores americanos, num
momento de crise.
FOLHA - Como o sr. analisa o atual
estágio da crise nos EUA?
VIEIRA - Acho que as marolinhas foram bem maiores lá,
mas há sinais muito efetivos de
recuperação. No terceiro trimestre do ano já houve um
crescimento do PIB de 3% em
relação ao período anterior. A
previsão é de uma estagnação
ou até um decréscimo do PIB
neste ano, mas em 2010 e 2011
já há sinais de recuperação.
FOLHA - O que mudou para o Brasil
de Bush para Obama?
VIEIRA - Primeiro, a expectativa positiva e depois os sinais
muito fortes de uma valorização do multilateralismo, com
muitos gestos importantes. No
caso do Brasil, há uma maior
disposição ao diálogo.
FOLHA - E na América Latina? O
grande troféu do Obama foi a reação unânime em Honduras, mas
agora os EUA aceitam as eleições de
qualquer jeito, e o Brasil, só se Zelaya for restituído antes.
VIEIRA - A nossa posição é muito conhecida: não se pode aceitar eleições comandadas por
um regime espúrio que rompeu
a ordem constitucional. Isso é
realmente uma divergência.
FOLHA - O Brasil pediu "garantias
formais" de que as tropas dos EUA
usariam bases na Colômbia só contra o narcotráfico, e Lula propôs reunião entre Obama e presidentes da
Unasul. Nenhuma das duas coisas
evoluiu. Ficou por isso mesmo?
VIEIRA - É uma questão que
causa constrangimento e preocupação, mas o acordo foi assinado, é questão de soberania da
Colômbia e o Brasil recebeu garantias do governo norte-americano sobre o uso das bases
que considera satisfatórias.
FOLHA - O chanceler Celso Amorim
cobrou "maior franqueza" dos EUA
com a região. O sr. concorda?
VIEIRA - Sem dúvida. Numa relação tem de haver franqueza
total.
FOLHA - As barreiras comerciais entre Brasil e Argentina são sintomas
da fragilidade do Mercosul?
VIEIRA - Não. Até porque é inconcebível a região sem o Mercosul e não dá para imaginar a
relação dos dois países sem ele.
FOLHA - Se o Brasil comprar mesmo caças da França, isso pode gerar
desconforto ou retaliação dos EUA?
VIEIRA - Não acho, não. Quando
o Sivam-Sipam foi criado, ainda
no governo FHC, nós preferimos o sistema americano em
detrimento do francês e nem
por isso deixamos de ter excelentes relações com a França.
FOLHA - O sr. elogiou os gestos do
Obama pelo multilateralismo, mas
nada mudou no Oriente Médio ou
no Afeganistão. Há uma frustração?
VIEIRA - Obama está no primeiro ano, se instalando, as forças
da sociedade que se manifestam no Congresso estão tomando posições. Sou otimista.
FOLHA - Qual o risco que o Brasil
assume quando passa por cima de
críticas para receber Ahmadinejad?
VIEIRA - O risco é muito menor
do que se não recebesse. O Brasil se tornou um ator global, é
muito respeitado até nos EUA
por isso, e participa de todos os
assuntos do interesse do mundo e da paz. Além disso, sempre
tivemos relações com o Irã.
FOLHA - Obama fez campanha em
cima da questão ambiental, que era
um grande diferencial em relação a
Bush. Se ele chegar a Copenhague
de mãos vazias, será uma decepção?
VIEIRA - O que posso dizer? Todos esperam gestos concretos e
importantes, vamos ver...
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