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São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2003

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DIÁRIO DE BAGDÁ

Passat, o "Brazíli", um caso de amor


O carro é amado por que é barato e fácil de manter

Três dólares compram cem litros de gasolina especial



SÉRGIO DÁVILA e JUCA VARELLA, ENVIADOS ESPECIAIS

O iraquiano vive um caso de amor com o Passat. Não o modelo importado atual, que é sonho de consumo da nova geração, mas o carro brasileiro que reinou nas ruas e estradas do país nos anos 80. É dessa época a primeira leva de exportação do automóvel para o Iraque. Como nos vidros traseiros os veículos traziam o adesivo "Made in Brazil", desde então o Passat é conhecido por aqui como "Brazíli".
 
Pois o Brazíli é muito querido. Primeiro, me dizem os motoristas, porque é barato para comprar e para manter. Um modelo em bom estado, ano 1988, o último a ser exportado para cá, pode custar até US$ 4.000. Segundo, porque os mais antigos são o sonho possível da classe média de ter um carro próprio.
 
A Volkswagen brasileira exportou 170 mil Passats para o Iraque entre 1983 e 1988, todos quatro portas. Numa iniciativa inédita então, trocavam os carros por petróleo, que era revendido depois à Petrobrás. Há Brazílis em todos os lugares, de todas as cores e jeitos. Criativo, o iraquiano pintou o carro de maneiras, digamos, mais alegres do que as de fábrica.
 
O Brazíli é amado ainda por ser econômico. Não que combustível seja exatamente problema para os iraquianos. Três dólares compram cem litros de gasolina especial; o valor cai à metade na comum.
 
Você leu direito. Estou falando de um povo que usa gasolina azul para lavar a calçada de casa e para tirar manchas de roupa. É verdade. Quando falei do preço brasileiro para um motorista, ele riu.
 
Enquanto isso, os escudos humanos continuam em ação nos supostos alvos civis de Bagdá. "Eu peço desculpa por meu país", começou Faith Fepencis, aos 62 anos a mais velha a vir para o Iraque para protestar contra a guerra. "Sou norte-americana, da região de George W. Bush, mas não posso concordar com esta situação." Ela está lotada na refinaria de petróleo de Al Dhoura. A seu lado, a faixa "No blood for oil". Enquanto dava entrevista, duas bombas caíram perto do complexo petrolífero. Medo.
 
No encontro, o ministro do Petróleo negou que o Iraque tivesse incendiado poços pelo país. "Repare como a CNN mostra sempre o mesmo poço, que foi bombardeado pelos próprios americanos, como sendo incendiado por nós", disse Amen Rashid. "Temos milhares de poços. Por que incendiaríamos apenas um?"
 
Nas ruas da cidade, com o feriado não-oficial dos serviços públicos, Bagdá está cada vez mais suja. O lixo se acumula nas guias, e as moscas começam a se proliferar.
 
No chão da entrada do Hotel Al Rasheed, a pintura de George Bush, o pai, que ficou famosa na Guerra do Golfo, foi coberta um mês antes de iniciado o atual conflito. Um tapete persa esconde a provocação. Política de boa vizinhança preventiva?
 
Segundo a crença local, o míssil Tomahawk que atingiu o Al Rasheed em 1998, durante a Operação Raposa do Deserto, teria a pintura como alvo. Na época, os EUA disseram ser engano. Os iraquianos pensam diferente. Contam inclusive que um segundo míssil teria atingido a casa da autora do retrato, que morreu.
 
A boa vizinhança, porém, tem limites. Nas entrevistas, o ministros-generais se referem à sede do governo norte-americano como "Black House", que abriga a "gangue de Washington".
 
Todo jornalista que trabalha em Bagdá é obrigado a sair com um motorista (que informa as atividades ao Ministério da Informação) e um guia (que trabalha diretamente para o órgão), caso contrário não pode sequer deixar o hotel. Nosso guia é a cara do Freddie Mercury, o famoso vocalista do Queen, já morto. Dissemos isso a ele, que não sabia nem o que era Queen nem quem era Freddie Mercury.
 
"Mas gosto do ABBA", confessou.


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