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DIÁRIO DE BAGDÁ
Passat, o "Brazíli", um caso de amor
O carro é amado por que é barato e fácil de manter
Três dólares compram cem litros de gasolina especial
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SÉRGIO DÁVILA e JUCA VARELLA, ENVIADOS ESPECIAIS
O iraquiano vive um caso de
amor com o Passat. Não o modelo importado atual, que é sonho
de consumo da nova geração,
mas o carro brasileiro que reinou
nas ruas e estradas do país nos
anos 80. É dessa época a primeira
leva de exportação do automóvel
para o Iraque. Como nos vidros
traseiros os veículos traziam o
adesivo "Made in Brazil", desde
então o Passat é conhecido por
aqui como "Brazíli".
Pois o Brazíli é muito querido.
Primeiro, me dizem os motoristas, porque é barato para comprar e para manter. Um modelo
em bom estado, ano 1988, o último a ser exportado para cá, pode
custar até US$ 4.000. Segundo,
porque os mais antigos são o sonho possível da classe média de
ter um carro próprio.
A Volkswagen brasileira exportou 170 mil Passats para o Iraque
entre 1983 e 1988, todos quatro
portas. Numa iniciativa inédita
então, trocavam os carros por petróleo, que era revendido depois à
Petrobrás. Há Brazílis em todos
os lugares, de todas as cores e jeitos. Criativo, o iraquiano pintou o
carro de maneiras, digamos, mais
alegres do que as de fábrica.
O Brazíli é amado ainda por ser
econômico. Não que combustível
seja exatamente problema para
os iraquianos. Três dólares compram cem litros de gasolina especial; o valor cai à metade na comum.
Você leu direito. Estou falando
de um povo que usa gasolina azul
para lavar a calçada de casa e para
tirar manchas de roupa. É verdade. Quando falei do preço brasileiro para um motorista, ele riu.
Enquanto isso, os escudos humanos continuam em ação nos
supostos alvos civis de Bagdá. "Eu
peço desculpa por meu país", começou Faith Fepencis, aos 62
anos a mais velha a vir para o Iraque para protestar contra a guerra. "Sou norte-americana, da região de George W. Bush, mas não
posso concordar com esta situação." Ela está lotada na refinaria
de petróleo de Al Dhoura. A seu
lado, a faixa "No blood for oil".
Enquanto dava entrevista, duas
bombas caíram perto do complexo petrolífero. Medo.
No encontro, o ministro do Petróleo negou que o Iraque tivesse
incendiado poços pelo país. "Repare como a CNN mostra sempre
o mesmo poço, que foi bombardeado pelos próprios americanos, como sendo incendiado por
nós", disse Amen Rashid. "Temos milhares de poços. Por que
incendiaríamos apenas um?"
Nas ruas da cidade, com o feriado não-oficial dos serviços públicos, Bagdá está cada vez mais suja. O lixo se acumula nas guias, e
as moscas começam a se proliferar.
No chão da entrada do Hotel Al
Rasheed, a pintura de George
Bush, o pai, que ficou famosa na
Guerra do Golfo, foi coberta um
mês antes de iniciado o atual conflito. Um tapete persa esconde a
provocação. Política de boa vizinhança preventiva?
Segundo a crença local, o míssil
Tomahawk que atingiu o Al Rasheed em 1998, durante a Operação Raposa do Deserto, teria a
pintura como alvo. Na época, os
EUA disseram ser engano. Os iraquianos pensam diferente. Contam inclusive que um segundo míssil teria atingido a casa da autora do retrato, que morreu.
A boa vizinhança, porém, tem
limites. Nas entrevistas, o ministros-generais se referem à sede do
governo norte-americano como
"Black House", que abriga a
"gangue de Washington".
Todo jornalista que trabalha em
Bagdá é obrigado a sair com um
motorista (que informa as atividades ao Ministério da Informação) e um guia (que trabalha diretamente para o órgão), caso contrário não pode sequer deixar o
hotel. Nosso guia é a cara do Freddie Mercury, o famoso vocalista
do Queen, já morto. Dissemos isso a ele, que não sabia nem o que
era Queen nem quem era Freddie
Mercury.
"Mas gosto do ABBA", confessou.
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