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Irã é escolha estranha do Brasil, diz americano
"Não dá para entender por que o país não acha importante punir quem viola lei internacional", afirma James Rubin, consultor de Obama
Ex-secretário-assistente de Estado diz que, se Brasil quer assumir posição de liderança
no mundo, terá de aprender a contrariar aliados como o Irã
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o Brasil quiser se tornar
um líder global, deverá aprender a contrariar aliados -como
o Irã- e aceitar que interesses
multilaterais se sobreponham
a relações bilaterais.
O aviso é do analista americano James Rubin, professor
de políticas públicas da Universidade Columbia (Nova York),
ex-secretário-assistente de Estado do governo de Bill Clinton
(1993-2001) e hoje consultor
informal da equipe diplomática
de Barack Obama.
Em entrevista à Folha, por
telefone, Rubin disse que a relutância do Brasil em apoiar
sanções ao Irã beneficia um regime que viola a legislação internacional, o que pode prejudicar a aspiração brasileira ao
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
FOLHA - Como o sr. vê a posição do
Brasil em relação ao Irã?
JAMES RUBIN
- O Brasil, como
qualquer outro país grande e
importante, tem direito de ter
relações com quem bem entender e tantas parcerias econômicas quantas julgar necessário.
Mas, no plano bilateral, nenhum americano gosta de ver
um líder admirado como Lula
na mesma foto que alguém tão
pouco admirado como [Mahmoud] Ahmadinejad. Lamento
que o governo brasileiro não
perceba o perigo de não assumir o papel que lhe cabe no sistema internacional. Na conferência nuclear [de Washington], o Brasil mostrou ter entendido claramente a importância de fazer com que armas
nucleares não sejam usadas durante um acesso de raiva ou por
terroristas. Então não dá para
entender por que o Brasil não
acredita que é importante punir aqueles que violam a lei internacional estabelecida pelo
TNP [Tratado de Não Proliferação Nuclear] e a AIEA [agência atômica da ONU].
FOLHA - O Brasil alega que o Irã
tem direito de enriquecer urânio para fins pacíficos e que até hoje não
há provas de que o Irã esteja fabricando a bomba atômica.
RUBIN
- O Brasil está certo em
dizer que o Irã tem direito a um
programa nuclear civil. Mas
Teerã violou a legislação duas
vezes. Na primeira, o CS impôs
a exigência de que o Irã congelasse seu enriquecimento de
urânio. Na segunda, a AIEA disse claramente que Teerã descumpriu regras de inspeções e
transparência de informações,
além de não ter respondido várias perguntas. Saber se o programa nuclear iraniano está fabricando armas não é a questão. A questão é que o Brasil,
um país grande e responsável
que defende o multilateralismo
e talvez se torne um futuro
membro permanente do CS,
precisa endossar a legislação e
o sistema internacionais. O
Brasil hoje é membro não permanente do órgão da ONU cujas determinações o Irã viola.
FOLHA - O Brasil pode ter que arcar
com o custo político dessa posição?
RUBIN
- O Brasil pode ter vários
questionamentos legítimos sobre o sistema de não proliferação e tem direito de levantá-los
na conferência de revisão do
TNP [em maio]. Mas até a China e a Rússia admitem sanções
contra Teerã. É estranho o Brasil estar fora desse grupo.
Defender as regras do sistema internacional às vezes tem
um custo no plano bilateral. Os
EUA estão pagando caro por
tentar encontrar soluções internacionais para os problemas. O governo americano vive
irritando amigos. Talvez o Brasil não queria irritar um país
amigo como o Irã. Ou talvez o
Brasil não queira estar na posição dos membros permanentes
do CS, que são obrigados a contrariar aliados o tempo todo.
Para ser responsável, você tem
de sacrificar alguns aspectos de
suas relações bilaterais. Se o
Brasil quer ser um líder, então
tem que aceitar que alguns
amigos serão contrariados.
FOLHA - O Irã tira proveito do apoio
dos aliados Brasil e Turquia?
RUBIN
- A Turquia está numa
posição muito diferente do
Brasil, por ser vizinha do Irã.
Irã e Turquia têm uma longa
história comum numa área onde há hoje duas guerras em andamento, Iraque e Afeganistão.
Essa história toda ocorre a
milhares de quilômetros do
Brasil, por isso é tão desconcertante ver o país se envolver tanto com um líder acusado de
opressão e violações de direitos
humanos em larga escala. É
uma escolha estranha.
FOLHA - Qual a probabilidade de
um ataque ao Irã?
RUBIN
- Acho difícil os EUA recorrerem à opção militar. Mas
os israelenses se sentem ameaçados por um país cujo líder fala tão absurdamente sobre o
Holocausto ou sobre Israel e
busca a bomba atômica. Israel
sente que sua essência está sendo questionada. A comunidade
internacional sairá fortalecida
se o Brasil e outros países
apoiarem sanções. Se o Brasil
quer uma solução diplomática,
a melhor maneira é reforçar a
mão da AIEA.
FOLHA - Há quem diga que Obama
já aceita a ideia de um Irã nuclear.
RUBIN
- Obama disse claramente que um Irã com armas
nucleares é inaceitável. Além
disso, há uma distinção entre
ter a capacidade de enriquecer
urânio e chegar ao nível de produção para chegar à bomba e
depois montar uma ogiva. Não
acho que os iranianos estejam
perto de testar uma bomba.
Se eles estiverem fazendo
apenas o que dizem, enriquecer
urânio para fins civis, então tudo ficará mais fácil. Mas se eles
continuarem aumentando o
grau de enriquecimento e pararem de cooperar com a AIEA, a
coisa muda. Há cinco anos Israel dizia que o Irã se tornaria
uma potência nuclear se fosse
capaz de enriquecer urânio em
nível industrial. Pois o Irã hoje
enriquece urânio em nível industrial, e o mundo não acabou.
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