São Paulo, segunda-feira, 26 de abril de 2010

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Irã é escolha estranha do Brasil, diz americano

"Não dá para entender por que o país não acha importante punir quem viola lei internacional", afirma James Rubin, consultor de Obama

Ex-secretário-assistente de Estado diz que, se Brasil quer assumir posição de liderança no mundo, terá de aprender a contrariar aliados como o Irã

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o Brasil quiser se tornar um líder global, deverá aprender a contrariar aliados -como o Irã- e aceitar que interesses multilaterais se sobreponham a relações bilaterais.
O aviso é do analista americano James Rubin, professor de políticas públicas da Universidade Columbia (Nova York), ex-secretário-assistente de Estado do governo de Bill Clinton (1993-2001) e hoje consultor informal da equipe diplomática de Barack Obama.
Em entrevista à Folha, por telefone, Rubin disse que a relutância do Brasil em apoiar sanções ao Irã beneficia um regime que viola a legislação internacional, o que pode prejudicar a aspiração brasileira ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

 

FOLHA - Como o sr. vê a posição do Brasil em relação ao Irã?
JAMES RUBIN
- O Brasil, como qualquer outro país grande e importante, tem direito de ter relações com quem bem entender e tantas parcerias econômicas quantas julgar necessário. Mas, no plano bilateral, nenhum americano gosta de ver um líder admirado como Lula na mesma foto que alguém tão pouco admirado como [Mahmoud] Ahmadinejad. Lamento que o governo brasileiro não perceba o perigo de não assumir o papel que lhe cabe no sistema internacional. Na conferência nuclear [de Washington], o Brasil mostrou ter entendido claramente a importância de fazer com que armas nucleares não sejam usadas durante um acesso de raiva ou por terroristas. Então não dá para entender por que o Brasil não acredita que é importante punir aqueles que violam a lei internacional estabelecida pelo TNP [Tratado de Não Proliferação Nuclear] e a AIEA [agência atômica da ONU].

FOLHA - O Brasil alega que o Irã tem direito de enriquecer urânio para fins pacíficos e que até hoje não há provas de que o Irã esteja fabricando a bomba atômica.
RUBIN
- O Brasil está certo em dizer que o Irã tem direito a um programa nuclear civil. Mas Teerã violou a legislação duas vezes. Na primeira, o CS impôs a exigência de que o Irã congelasse seu enriquecimento de urânio. Na segunda, a AIEA disse claramente que Teerã descumpriu regras de inspeções e transparência de informações, além de não ter respondido várias perguntas. Saber se o programa nuclear iraniano está fabricando armas não é a questão. A questão é que o Brasil, um país grande e responsável que defende o multilateralismo e talvez se torne um futuro membro permanente do CS, precisa endossar a legislação e o sistema internacionais. O Brasil hoje é membro não permanente do órgão da ONU cujas determinações o Irã viola.

FOLHA - O Brasil pode ter que arcar com o custo político dessa posição?
RUBIN
- O Brasil pode ter vários questionamentos legítimos sobre o sistema de não proliferação e tem direito de levantá-los na conferência de revisão do TNP [em maio]. Mas até a China e a Rússia admitem sanções contra Teerã. É estranho o Brasil estar fora desse grupo. Defender as regras do sistema internacional às vezes tem um custo no plano bilateral. Os EUA estão pagando caro por tentar encontrar soluções internacionais para os problemas. O governo americano vive irritando amigos. Talvez o Brasil não queria irritar um país amigo como o Irã. Ou talvez o Brasil não queira estar na posição dos membros permanentes do CS, que são obrigados a contrariar aliados o tempo todo. Para ser responsável, você tem de sacrificar alguns aspectos de suas relações bilaterais. Se o Brasil quer ser um líder, então tem que aceitar que alguns amigos serão contrariados.

FOLHA - O Irã tira proveito do apoio dos aliados Brasil e Turquia?
RUBIN
- A Turquia está numa posição muito diferente do Brasil, por ser vizinha do Irã. Irã e Turquia têm uma longa história comum numa área onde há hoje duas guerras em andamento, Iraque e Afeganistão. Essa história toda ocorre a milhares de quilômetros do Brasil, por isso é tão desconcertante ver o país se envolver tanto com um líder acusado de opressão e violações de direitos humanos em larga escala. É uma escolha estranha.

FOLHA - Qual a probabilidade de um ataque ao Irã?
RUBIN
- Acho difícil os EUA recorrerem à opção militar. Mas os israelenses se sentem ameaçados por um país cujo líder fala tão absurdamente sobre o Holocausto ou sobre Israel e busca a bomba atômica. Israel sente que sua essência está sendo questionada. A comunidade internacional sairá fortalecida se o Brasil e outros países apoiarem sanções. Se o Brasil quer uma solução diplomática, a melhor maneira é reforçar a mão da AIEA.

FOLHA - Há quem diga que Obama já aceita a ideia de um Irã nuclear.
RUBIN
- Obama disse claramente que um Irã com armas nucleares é inaceitável. Além disso, há uma distinção entre ter a capacidade de enriquecer urânio e chegar ao nível de produção para chegar à bomba e depois montar uma ogiva. Não acho que os iranianos estejam perto de testar uma bomba.
Se eles estiverem fazendo apenas o que dizem, enriquecer urânio para fins civis, então tudo ficará mais fácil. Mas se eles continuarem aumentando o grau de enriquecimento e pararem de cooperar com a AIEA, a coisa muda. Há cinco anos Israel dizia que o Irã se tornaria uma potência nuclear se fosse capaz de enriquecer urânio em nível industrial. Pois o Irã hoje enriquece urânio em nível industrial, e o mundo não acabou.


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