São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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ELEIÇÃO NA COLÔMBIA

Crime é fonte financeira e política de grupos armados; Farc detêm um governador e uma presidenciável

País tem média de 7 sequestros diários

DO ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA

"A Colômbia é um país sequestrado." A frase, recorrente na boca de políticos, analistas e meios de comunicação é o resultado de números impressionantes que aumentam na proporção da ampliação do conflito armado.
Somente nos primeiros quatro meses deste ano, 851 pessoas foram sequestradas na Colômbia (média superior a sete por dia). No ano passado, foram 3.041 sequestros. São cifras que colocam o país como o local onde mais ocorrem sequestros no mundo.
"Vivemos com medo de sequestro e gastamos milhões em blindagem de carro, em medidas de segurança", lamenta o empresário Juan Rodrigo Hurtado, 35, dono de uma empresa de telecomunicações em Medellín (centro-oeste do país). "É tempo e dinheiro que poderiam estar sendo investidos em outras coisas", diz.
O sequestro é, ao lado do narcotráfico, fonte importante de recursos para os grupos armados ilegais. Segundo dados oficiais, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o ELN (Exército de Libertação Nacional), os dois principais grupos guerrilheiros de esquerda, foram responsáveis, juntos, por 58% dos sequestros no ano passado.
Os sequestros cometidos por grupos paramilitares -criados para combater a guerrilha- representaram 9%, enquanto aqueles atribuídos à delinquência comum foram 10%. Dos casos de 2001, 19% têm a autoria indefinida.
Esse tipo de crime afeta tal porcentagem da população que dois dos programas de rádio de maior audiência no país são destinados a que familiares de sequestrados enviem mensagens aos parentes.
"O programa serve como terapia para as famílias que passam por uma situação difícil de ter um parente sequestrado e se juntam para compartilhar a dor entre eles", afirma Julieta Pescatore, coordenadora do programa "Em Busca da Liberdade Perdida", realizado pela Fundação País Libre e transmitido três vezes por semana. Segundo ela, muitos dos sequestrados libertados contam ter ouvido as mensagens dos parentes enquanto estavam em cativeiro.
O governo afirma que o combate a esse tipo de crime é uma de suas prioridades, mas, até agora, não houve resultados efetivos. "O sequestro só chegou a essas proporções na Colômbia porque os grupos ilegais o assumiram como forma de financiamento", afirma Juan Francisco Mesa Torres, diretor do Fondelibertad, órgão do governo que coordena as ações anti-sequestro. "São grupos muito mais estruturados que a delinquência comum, o que torna o combate muito mais difícil", diz.
Segundo ele, a orientação do governo está na identificação e prisão dos criminosos. "Cada prisão pode prevenir até 50 sequestros."
Além da motivação econômica, os sequestros servem como instrumento de pressão contra o governo. As Farc têm em seu poder um governador, cinco congressistas, dois ex-ministros, 12 deputados departamentais e uma candidata à Presidência. A guerrilha exige, para libertá-los, a soltura de rebeldes presos pelo governo.
"Estamos em total abandono por parte do governo", lamenta a advogada Patricia Perdomo, 32, cuja mãe, a deputada Consuelo González de Perdomo, 51, foi sequestrada numa estrada do Departamento de Huila (sul) em 15 de fevereiro. "Acho que uma troca de presos é difícil, mas poderiam fazer um acordo humanitário para libertar os sequestrados."
Segundo Juan Francisco Mesa, uma troca é impossível. "Atender a exigência da guerrilha seria estimular a atividade dos sequestros", argumenta. "Nossa estratégia é não ceder", diz.
Segundo ele, essa lógica não deve mudar nem mesmo no caso de algum dos sequestrados ser morto pelos rebeldes. "Assumir uma política de Estado implica questões difíceis. Se matarem algum dos sequestrados, será duro, mas não podemos depender disso para tomar uma posição diferente."
Para ele, a libertação dos cativos deve ser obtida por meio da pressão contra os grupos armados. "Devemos mostrar-lhes que o governo e o mundo vai passar-lhes a conta, cedo ou tarde", diz, acrescentando que não se prevê ações de resgate. "Não assumiremos tarefas de resgate que ponham em perigo a vida dos sequestrados." (ROGERIO WASSERMANN)


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