São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Familiares processam governo britânico; maioria da população quer que país anuncie data para sair do Iraque

Parentes de militares mortos culpam Blair

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Em março passado, o aposentado inglês Tony Hamilton-Jewell, 57, tomou um avião com destino ao Iraque. Não ia a negócios, muito menos tivera a idéia de fazer turismo no país assolado pela violência. O seu objetivo era investigar a morte de seu irmão Simon, sargento que foi assassinado depois do fim da guerra no país.
Hamilton-Jewell decidiu ir até o Iraque porque não confiava nas investigações do Exército britânico sobre as circunstâncias pouco claras da morte do irmão.
"Eu não tenho nenhuma fé no governo britânico. O Exército é tão arrogante em suas atitudes que eu também não tenho nenhuma confiança nele", disse à Folha o aposentado.
O irmão de Hamilton-Jewell e o grupo de cinco soldados que comandava estavam no Iraque para treinar a polícia local. Eles entraram na cidade de Majar el-Kabir, ao norte de Basra (sul do país), aparentemente para defender um posto policial de um ataque de 400 membros de uma milícia local e terminaram mortos a tiros, no dia 24 de junho de 2003, seis semanas depois de declarado o fim da guerra.
Segundo o aposentado, no entanto, o grupo de militares não deveria ter entrado na cidade.
"Havia sido assinado um acordo que determinava que militares britânicos não entrariam na cidade, que tem sua própria milícia. Mas eles não sabiam disso", disse.
A fim de tentar entender o que aconteceu, Hamilton-Jewell viajou até Majar el-Kabir, acompanhado pelo Exército, conversou com militares, com o médico da cidade, com policiais e com líderes políticos. "Eu queria descobrir a verdade sobre a morte do meu irmão."
Sua conclusão foi a de que houve falha do comando superior, que não deveria ter enviado o grupo para a cidade.
O Exército também faz uma investigação sobre o assunto. Mas Hamilton-Jewell diz que não confia mais nos militares e que vai processar o governo britânico pelo que ocorreu. A Folha entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa do Reino Unido, mas não obteve resposta.
"Eu acho que o governo e o Exército são responsáveis pelas mortes do meu irmão", afirmou.

Boa causa
Hamilton-Jewell não conhece pessoalmente Rose Gentle, cujo filho Gordon, 19, também morreu no Iraque há cerca de três meses, vítima de uma bomba que explodiu numa estrada. O fato de ambos terem perdido parentes no Iraque não é o único ponto em comum entre eles.
Assim como o aposentado, Rose, que trabalha como faxineira e vive na Escócia, está revoltada com o governo, o qual culpa pela morte do filho. Há cerca de um mês, Rose virou notícia quando foi recebida por John Prescott, vice-premiê britânico, ao vir a Londres com sua filha Maxine, 14, entregar uma carta para o primeiro-ministro, Tony Blair.
As duas saíram revoltadas do encontro, dizendo que Prescott só dissera "besteira". Mais tarde, segundo Rose, Maxine recebeu correspondência de Blair em resposta à sua carta, dizendo que seu irmão morrera por uma boa causa.
"Não foi uma boa causa para nós. Foi uma boa causa para ele", afirmou Rose à Folha.
Como Hamilton-Jewell, Rose pensa em processar o governo. "Tony Blair foi culpado pela morte desses garotos todos. Meu Gordon só teve seis meses de treinamento antes de ser mandado à guerra por uma mentira, uma guerra por petróleo."
Hamilton-Jewell também diz que a guerra no Iraque foi motivada por petróleo. Ele, Rose e muitas das 66 famílias que perderam parentes no Iraque e deram declarações à imprensa defendem que os militares britânicos que estão no Iraque voltem para casa.
Esse sentimento não se limita aos familiares de soldados mortos. Segundo pesquisa divulgada na última semana pelo jornal "The Guardian", 71% dos eleitores no Reino Unido querem que o governo anuncie uma data para a retirada das tropas britânicas do Iraque. Em maio passado, 45% dos entrevistados haviam respondido que as tropas deveriam permanecer no Iraque pelo tempo que fosse necessário.
A mudança ocorre como conseqüência de notícias de que não foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque, das mortes crescentes de soldados e da onda de seqüestros, como o do engenheiro Kenneth Bigley.
O engenheiro Bigley, 62, e os americanos Eugene Armstrong e Jack Hensley foram seqüestrados na semana retrasada por um grupo terrorista liderado pelo jordaniano Abu Musab al-Zarqawi. Os americanos foram decapitados.
Ontem, comunicado atribuído ao grupo anunciou a morte de Bigley. O Ministério do Exterior britânico disse que o texto não deveria ser levado a sério.
"Sem dúvida a opinião pública tem crescentemente se movido contra a ocupação do Iraque", diz o cientista político Eric Herring, da Universidade de Bristol.
No entanto, para ele as conseqüências políticas negativas desse sentimento antiocupação entre os britânicos não tendem a ser grandes. Os riscos de revezes políticos no Iraque estariam mais ligados à possibilidade de que haja uma revolta geral da população local contra as forças de ocupação na região do sudeste do país.
"Se isso ocorrer, as tropas britânicas não terão como agir. Isso seria um acontecimento político catastrófico. E o pior é que é bastante provável", diz Herring.
De acordo com o professor de Bristol, essa situação só pode ser evitada se a forma como tem sido conduzida a ocupação mudar totalmente, com convocação de eleições gerais o quanto antes, o fim das operações ofensivas e das prisões sem julgamento.


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