São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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TRAGÉDIA NO CARIBE

Força de paz luta para tentar manter a segurança e ajudar vítimas da tempestade tropical

População do Haiti improvisa para poder sobreviver

Ariana Cubillos - 24.set.2004/Associated Press
Após as chuvas torrenciais que arrasaram Gonaives (noroeste do Haiti), garota põe roupa no varal


RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

O haitiano se vira como pode para conseguir pelo menos uma refeição por dia. Dieudonne Jackson tentava trocar moeda estrangeira em uma praça na capital Porto Príncipe. Mas não teve sorte. Ele estava com um maço de notas de cruzeiro brasileiras, bem antigas, algumas com a imagem do Duque de Caxias. Avisado por soldados e jornalistas, Dieudonne fica sabendo que as notas não valem mais nada.
Ele fala inglês e francês e trabalhava como guia turístico, mas agora o país não recebe mais turistas, a não ser funcionários da ONU ou um raro casal americano que vem adotar uma criança.
Ele pede dinheiro para dar entrevista. "Eu não quero roubar, mas dê uma olhada nos meus sapatos", diz Dieudonne, apontando para os furos.
Ele gostaria de ir para a República Dominicana trabalhar, mas não tem dinheiro para pagar o passaporte.
O amigo que tinha recebido as notas, Eddy Metil, aluga seu telefone celular para quem quer fazer ligações. Com isso, ganha em torno de cem gourdes por dia -pouco menos que US$ 3.
Os onipresentes comerciantes de artesanato, quadros "primitivistas" e esculturas de madeira tentam vender um suvenir para os turistas inexistentes. Um deles é Antony François, que vende estátuas que vão de US$ 20 a US$ 50. Ele passa dias sem vender nada. Com sorte, vende algo para um funcionário da ONU, ou para um haitiano que mora no exterior.
A catástrofe econômica do Haiti se mede por esse fato: boa parte da moeda estrangeira que chega vem através de remessas de haitianos morando nos EUA e Canadá, também os principais doadores internacionais.
Ironicamente, o ano em que o segundo mais antigo país independente das Américas (o primeiro é os EUA) comemora 200 anos de independência, foi marcado por desastres.
Primeiro foi a crise da rebelião militar e civil contra o presidente Jean-Bertrand Aristide, que renunciou e foi para o exílio no começo do ano. Uma força estrangeira liderada pelos EUA restabeleceu uma ordem precária e passou a tarefa em junho para uma força de paz da ONU.
Houve então tempestades na fronteira com a República Dominicana, centenas de mortos e necessidade de a força multinacional organizar ajuda humanitária. Faz uma semana foi uma tormenta tropical que inundou a cidade de Gonaives, matou mais de mil pessoas e também exigiu que estrangeiros resgatassem as vítimas.
"Fiquei triste pela morte dos meus irmãos e irmãs haitianos, mas Deus fez o trabalho", diz Dieudonne. Resignação é o sentimento que domina os haitianos.
"A gente não vê desespero, vê tristeza, isso de achar que estava escrito", afirma o general-de-divisão brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, comandante dos capacetes azuis da ONU e o homem que organizou parte do resgate das vítimas de Gonaives - e que também sua base alagada.
Heleno recebeu apenas 2.800 dos 6.700 militares autorizados pela ONU para a força de paz no país, dos quais 1.197 são da Brigada Haiti composta por soldados do Exército Brasileiro e do Corpo de Fuzileiros Navais. "A brigada brasileira está desgastada", diz o general.
A brigada deveria cuidar apenas da capital haitiana, provendo segurança para autoridades e patrulhando a cidade com cerca de dois milhões de habitantes, mas foi preciso enviar as tropas para outras localidades.
O comandante da unidade brasileira, o general-de-brigada Américo Salvador de Oliveira diz ainda que quase metade dos capacetes azuis é constituída de tropas de apoio, ou seja, cozinheiros, mecânicos, telefonistas.
Mesmo assim, os estrangeiros têm feito o possível para dar segurança aos haitianos, à espera das tropas prometidas por países como Nepal, Sri Lanka e Espanha.

O jornalista Ricardo Bonalume Neto viajou ao Haiti a convite do Ministério da Defesa, em um C-130 da FAB.


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