São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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REINO UNIDO

Para estudiosos, empatia, consumismo e apelo religioso ajudam o craque a substituir a princesa no imaginário britânico

Beckham pode se tornar a "nova Diana"

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

Uma combinação aparentemente contraditória de empatia popular, consumismo exagerado e até mesmo apelo religioso pode estar transformando David Beckham em uma "nova Diana".
Pelo menos é o que investigam dois pesquisadores da Universidade de Warwick, no Reino Unido, que fizeram um estudo sobre a ascensão do jogador de futebol ao estrelato, na trilha da morte da princesa de Gales, em 1997.
"Não estamos fazendo uma afirmação, mas nos perguntando: Beckham é a nova Diana?", disse o sociólogo Andrew Parker, especialista em esporte, à Folha. "Mas podemos dizer que, se alguém pode desafiar ou tem o potencial para estar par a par com quem Diana foi em termos de cultura britânica, Beckham está mais perto do que qualquer outro."
A morte trágica de Diana em um acidente automobilístico em Paris, aos 36 anos, evidenciou a atração de milhares ao redor do mundo pela princesa, que expôs, pela vitrine da mídia, uma vida temperada por histórias de amor infeliz, traição, desobediência à família real e uma "volta por cima" em busca da felicidade.
E em que o jogador do Real Madrid se assemelha à princesa? Um dos pontos principais é que ambos personificam a narrativa cultural da pessoa comum que se torna uma celebridade. E isso "apesar de Diana ter vindo de uma das mais poderosas famílias aristocráticas britânicas e de Beckham ser considerado um prodígio desde a infância", escreve Parker no estudo ao lado da socióloga Deborah Steinberg.
Para os pesquisadores, Beckham, como Lady Di, tem o poder de fazer o público acreditar que o conhece e que ele é uma pessoa acessível. "Parte da estrela de Beckham é que ele é um homem sensível fora das quadras, dedicado à mulher e aos filhos, e um bonito objeto de fantasia", diz o estudo.
"Há um senso de humildade e empatia neles e isso é muito incomum em celebridades, que normalmente são distantes, glamourosas e intocáveis", afirma Parker.
Ao mesmo tempo, parte do apelo de Beckham vem do fato de ele não apenas ser rico, mas demonstrar sua riqueza, sem pudores, com um consumismo "desenfreado". "O Reino Unido é uma sociedade muito afluente, que está cada vez mais interessada no consumismo. E Diana e Beckham representam pessoas que estão no pico de seu poder aquisitivo", diz Parker.
"Talvez um fator de atração a Beckham é que as pessoas podem ambicionar ser como ele é e ter o que ele tem em termos materiais."
O jogador tem ainda uma particularidade: ele é o protótipo do metrossexual. "Beckham permite ao homem normal, do dia-a-dia, ter preocupações estéticas sem se sentir afeminado ou se afligir com críticas", afirma. Não é um "público-alvo" pequeno, lembra o pesquisador - apenas na Europa, diz, os homens já gastam cerca de 600 milhões de libras por ano em cosméticos.
Em uma outra perspectiva, Beckham, como Diana, parece atender à explicação de alguns acadêmicos de que celebridades foram se tornando mais populares a partir da perda de importância de ícones religiosos.
"Talvez com Diana isso seja mais evidente pelo fato de ela ter morrido tão tragicamente e porque Beckham está envolvido nas reviravoltas do futebol profissional, que é um empreendimento "menos espiritual'", diz Parker.
"No entanto, é interessante notar como Beckham gosta de promover uma imagem de semelhança com Cristo. Algumas fotos de revistas mostram-no como algum tipo de mártir. Essas imagens são poderosas e alimentam nosso consciente", afirma.
Se o jogador irá de fato tomar o lugar da princesa no coração dos britânicos, os pesquisadores não batem o martelo. "O lugar de Diana não precisa ser preenchido, necessariamente. Ela ainda é muito popular. Mas há uma percepção de que a estrela das celebridades no fim das contas míngua e desaparece, e aí outro alguém sempre surge", avalia Parker.


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