São Paulo, sábado, 26 de setembro de 2009

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Embaixada em Honduras é atacada com gás

"Senti o nariz ardendo, secura na garganta e um pouco de dor de cabeça", relatou 1 dos 2 brasileiros na missão diplomática

Golpistas negam ter lançado gás, mas permitem acesso de dois médicos e da Cruz Vermelha para atender a Zelaya e a outros afetados


Fabiano Maisonnave/Folha Imagem
A mulher de Zelaya, Xiomara Castro, usando máscara para não
inalar gás, dá leite a Francisco Catunda, único diplomata brasileiro
na embaixada em Tegucigalpa


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A TEGUCIGALPA

A Embaixada do Brasil em Honduras, que abriga desde segunda-feira o presidente deposto, Manuel Zelaya, foi afetada ontem por um tipo de gás não identificado, segundo pôde constatar a reportagem da Folha, que teve acesso ao prédio da representação há quatro dias isolada por forças militares, fiéis ao governo interino. O cheiro de gás começou a ser sentido por volta das 9h da manhã, pouco antes de a reportagem da Folha entrar. O odor, semelhante a um inseticida, estava principalmente no quintal da embaixada, instalada numa casa residencial adaptada.
O incidente provocou uma grande correria. Fotógrafos e militantes presentes no local usaram duas escadas para subir no muro, onde policiais manipulavam uma mangueira fina. A mulher de Zelaya, Xiomara de Castro, chegou a subir numa delas para insultar os policiais - gritava "assassinos". No jardim, um militante de Zelaya cuspia sangue numa grande folha, em seguida recolhida para ser mostrada mais tarde em entrevista coletiva.
Um dos afetados foi o assistente de Chancelaria brasileiro Wilson Batista, 49. "Senti o nariz ardendo, secura na garganta e um pouco de dor de cabeça, e havia um cheiro forte de gás de cozinha", relatou um dos dois brasileiros na embaixada.
Embora estivesse todo o tempo encerrado dentro da embaixada usando uma máscara cirúrgica, Zelaya afirmou, em entrevista coletiva aos jornalistas que também estão dormindo no local, que se sentiu atingido pelo gás.
"Senti um mal-estar estomacal, senti um pouco de tontura e irritação nos olhos. Eu fui para o extremo, e começamos a tentar localizar de onde estava vindo esse tipo de ataque", afirmou Zelaya, com voz mais pausada do que de costume, indicando cansaço, ao lado de dois militantes que disseram ter passado mal e de um médico. Na mesas diante dele, foi colocada a folha com o catarro misturado ao sangue ressecado. O presidente deposto mostrou ainda fotos de policiais nas casas vizinhas manipulando mangueiras e uma espécie de caixa metálica encoberta por um plástico, de onde supostamente saía o gás.
Logo após a entrevista, Zelaya, vestido com o tradicional chapéu, disse a militantes que "tem alguém aqui que informa [aos militares] para onde estou no prédio para que apontem um canhão de micro-ondas. Na entrevista coletiva, de repente comecei a me sentir mal".
Cerca de duas horas depois e como resultado de uma intensa negociação, os militares decidiram permitir a entrada de dois médicos e de um representante da Cruz Vermelha para analisar Zelaya e as demais pessoas afetadas.
A grande maioria das 63 pessoas que continuam na embaixada brasileira, no entanto, não se sentiu afetada pelo gás. Em entrevista à Folha, o presidente golpista de Honduras, Roberto Micheletti, negou que tenha havido um ataque de gás e afirmou que seu governo está buscando proteger as pessoas que estão dentro. A notícia de um ataque de gás contra a embaixada fez com que o chanceler Celso Amorim ligasse para o encarregado de negócios, Francisco Catunda, o único diplomata brasileiro em Honduras. Como Batista, Catunda está desde segunda na embaixada -a sua "cama" é o sofá do escritório.
Amorim afirmou ontem em Nova York, após reunião do Conselho de Segurança da ONU para discutir a intimidação à embaixada (leia à pág. A14), não ter como saber se a ação de lançar gás contra a embaixada foi planejada pelo governo golpista. Descartou, porém, que o ataque tivesse partido de simpatizantes de Micheletti. "Não tem nenhum manifestante que poderia chegar lá perto. Se os jornalistas não conseguiram chegar...", disse.

Superlotação
Mesmo com o número menor do que no início da semana, quando chegou a abrigar mais de 300 pessoas, a embaixada brasileira tem ares de superlotação. Por onde se passa, sempre há pessoas, muitas delas dormindo sentadas sobre sofás ou mesmo no chão.
A família de Zelaya, que inclui ainda seu filho José Manuel, 20, e a namorada, dorme sobre colchões de ar no amplo escritório do embaixador, com banheiro privado.
Já os militantes estão dormindo no chão de outras salas e até na calçada do quintal, enquanto os brasileiros dormem sozinhos, em escritórios separados. "Estou dormindo do lado de fora, sobre jornais. Aqui, papelão é VIP, porque é mais quentinho", disse a estudante de serviço social Crisna Peña, 23, desde segunda-feira com a mesma roupa. "Posso até lavar, mas se eu fizer isso, vou me vestir com o quê?"

Colaborou JANAINA LAGE, de Nova York



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