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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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AMÉRICA LATINA

Apesar da melhora econômica, país ainda está longe de voltar a ser o melhor lugar para viver na região

Nem retomada tira argentinos da pobreza

Tuca Vieira - 21.out.2003/Folha Imagem
Criança abre porta de casa invadida no bairro de San Telmo, em Buenos Aires, onde 100 mil pessoas vivem em moradias usurpadas


ELAINE COTTA
DE BUENOS AIRES

Toda semana, o governo argentino vem a público comemorar uma notícia nova: a economia vai crescer 7% em 2003, a recuperação deste ano já criou 500 mil postos de trabalho. Mas, nas ruas, a nostalgia das letras de tango ainda prevalece sobre as esperanças geradas desde a posse do presidente Néstor Kirchner, em 25 de maio.
É fato que a retomada do crescimento econômico acendeu uma luz no fim do túnel das expectativas de uma população que acabou de sair de uma das piores crises de sua história. Houve geração de empregos nos setores que ganharam com a depreciação cambial, como os exportadores. Os fabricantes de vinho e automóveis e os produtores agrícolas comemoram os resultados de 2003.
Mas a reativação ainda não devolveu à Argentina o estilo e a qualidade de vida que, há algum tempo, davam ao país o título de melhor lugar para se viver na América Latina. A classe média, que chegou a ser mais de 75% dos habitantes no início dos anos 70, hoje não supera 30%. "São os novos pobres da Argentina", diz Maria Eugênia Vidal, diretora do Grupo Sophia, que estuda a evolução da pobreza e seus efeitos sobre a sociedade.

Decadência
Em janeiro de 1999, primeiro de quatro anos de recessão, os indigentes eram 6,9% dos argentinos. Em janeiro deste ano, chegaram a 25,2%. Os que vivem abaixo da linha da pobreza passaram de 25,9% em 99 a 54,3% neste ano.
"Os números se agravaram durante a crise, mas o país vive mais de uma década de empobrecimento crescente. E a recuperação sempre é mais lenta. Ou seja, vai levar anos até que voltemos a ter os mesmos padrões, se é que conseguiremos", afirma o economista e sociólogo Ernesto Kritz.
O déficit habitacional atinge 15% da população. Só em Buenos Aires, existem 9.000 pessoas vivendo nas ruas, segundo dados oficiais. As estimativas são de que pelo menos 100 mil morem em casas invadidas, principalmente nos bairros da região central da cidade.
Na década de 90, o número de favelas instaladas na Grande Buenos Aires cresceu 500%. Pelo menos 300 mil pessoas moram em casas que não oferecem condições mínimas de higiene, eletricidade e saneamento básico.

Auto-estima
Kritz afirma que a falta de emprego é o maior problema. Quase 30% da população está desempregada ou subocupada. Os postos de trabalho que foram gerados até agora são, na sua maioria, informais ou oferecem salários baixos, de no máximo 500 pesos. Segundo o Indec (órgão de estatísticas do governo), a cesta básica custa 700 pesos.
"A falta de trabalho é o que mais afeta a auto-estima dos argentinos. Crescemos com a idéia de que toda a expectativa de futuro está ligada ao trabalho e à mobilidade social que ele possibilita. Sem isso, ficamos sem esperança de crescer, de sonhar com um futuro melhor", afirma Vidal.

Futuro
A geração que vai comandar e decidir o futuro do país é a mais prejudicada pela crise. Sete de cada dez crianças com menos de 14 anos vivem na pobreza. Estima-se que mais da metade dos que nasceram nos últimos dez anos tem problemas de desnutrição. Os jovens também são os mais afetados pelo desemprego: 40% a 50% dos que chegam ao mercado de trabalho todos os anos não conseguem emprego.


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