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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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REINO UNIDO

Inauguração da maior mesquita da Europa ocidental dá alento a debate sobre percepção negativa dos islâmicos

Muçulmanos buscam mostrar lado pacífico do islã

MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES

A violência está ligada à imagem do islamismo no mundo não-muçulmano, mas, na inauguração da maior mesquita da Europa ocidental, a Baitul Futuh, com capacidade para 10 mil pessoas, no início do mês, em Londres, a mensagem que dominou foi a de paz e amor. A nova mesquita é da corrente islâmica Ahmadiyya, que difere das demais por acreditar que o messias veio ao mundo em 1835, enquanto as outros ainda esperam por ele.
Mas as diferenças ficam por aí, pois a mensagem de paz e amor é comum a todos eles, segundo os muçulmanos. Para eles, a associação da violência ao islã tem origem no preconceito e no juízo errado feito por aqueles que não são muçulmanos.
Mesmo assim, a maioria reconhece que a imagem violenta do islamismo é reforçada por grupos ativistas dentro da religião, eventos recentes como os ataques suicidas da Al Qaeda nos Estados Unidos ou do Hamas e do Jihad Islâmico em Israel, e até pela pregação violenta de alguns imãs, o equivalente islâmico de um padre ou pastor.
"A violência não tem nada a ver com a religião. O islã não apóia violência nem suicídio, pois a vida é um presente de Deus", disse Salim Ahmad Malik, da Associação Muçulmana Ahmadiyya do Reino Unido. Para ele, grupos militantes misturam religião com política e usam o islã para justificar sua luta. "Não tem nada a ver com islamismo como está escrito no Alcorão", argumentou.
Em uma comunidade de 1,3 bilhão no mundo, há realmente grupos que invocam a violência, afirma Inayat Bunglawala, do Conselho Muçulmano do Reino Unido. Mas ele argumenta que a violência se deve a problemas locais. "Na Palestina, os palestinos resistem devido à ocupação de sua terra pelos israelenses. Pela mesma razão, há violência na Tchetchênia, que foi invadida pelos russos em grande número", disse.
Bunglawala compara a violência dentro do islamismo com o que acontece na Irlanda do Norte, na qual, há mais de 30 anos, existe um conflito entre protestantes e católicos.
"Há grupos terroristas católicos e grupos terroristas protestantes, mas, em outros lugares, as duas comunidades vivem em paz. Na Irlanda do Norte, o problema não é religioso, mas histórico. Ele se deve à invasão e à ocupação pelo Reino Unido", diz.
Diferentemente do cristianismo, o islamismo não manda oferecer a outra face ao inimigo porque, segundo Malik, isso não é prático. Ele explicou que a religião autoriza que a pessoa se defenda quando atacada, mas determina que aceite a paz assim que lhe for oferecida.
O islamismo acredita que as guerras, às vezes, são justificadas, embora defenda a paz, de acordo com Malik. Mesmo assim, o Alcorão estabelece limites, e o profeta Muhammad condena a morte de civis e o suicídio, como os praticados em ataques por radicais.
"Há 1.400 anos, o profeta deixou bem claro que, mesmo em guerra, é proibido matar civis, crianças ou mesmo destruir casas ou árvores", disse Ahmed Versi, editor do jornal independente "Muslim News", do Reino Unido.

Islamofobia
Para Versi, a percepção do islã como uma religião violenta é provocada pela forma como a mídia relata os eventos. Ele conta que, na véspera do Natal de 2001, o Ministério do Interior britânico emitiu um alerta sobre a possibilidade de um ataque terrorista da Al Qaeda, e a notícia foi divulgada como um "possível ataque de terroristas islâmicos".
"Por que usaram essa expressão, e não um ataque da Al Qaeda? Na cobertura do conflito na Irlanda do Norte, embora seja entre católicos e protestantes, a mídia usa as expressões republicanos, para definir os católicos, e unionistas, para os protestantes", comparou Versi.
Mas ele diz que não quer acusar ninguém, pois essa percepção do islã e as palavras usadas partem do subconsciente das pessoas. "É o que nós chamamos de islamofobia. Estamos constantemente promovendo encontros e debates com jornalistas e integrantes da mídia para discutir esses temas", disse.
Já Bunglawala acha que a "demonização" e a "desumanização" dos muçulmanos na mídia são consequência da ignorância geral do ocidente sobre o islamismo, mas acusa o governo dos Estados Unidos de estar por trás dessa "campanha" e compara a situação dos muçulmanos hoje à dos judeus na Alemanha no período que antecedeu o Holocausto.
No entanto ambos reconhecem que há violência no discurso de alguns imãs, como é o caso de Abu Hamza, que pregava na mesquita de Finnsbury Park, no norte de Londres.
Em janeiro, Hamza foi afastado pelo governo britânico e processado, depois de discursos em que conclamava os muçulmanos a usar a violência.
Bunglawala observa, porém, que esse foi o caso de um imã em uma mesquita, quando existem mil mesquitas no Reino Unido. "Recebeu cobertura da mídia fora de proporção. É como se julgássemos o Reino Unido pelos partidos racistas existentes", disse.
Segundo ele, a comunidade muçulmana no país tentou convencer as autoridades a expulsar Abu Hamza desde que ele começou a pregar a violência, em 1997, mas só teve apoio no início deste ano.


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