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Mãe envia filho à Libéria para protegê-lo
Para refugiada em Staten Island, rapaz estava mais seguro em meio a conflito em seu país natal do que em conjunto habitacional nos EUA
Após testemunhar estupros, fome e a atuação de crianças em combate, Augustus Massalee, 21, teve seu retorno permitido pela mãe
ELLEN BARRY
DO "NEW YORK TIMES"
Quando Augustus Massalee
chegou ao aeroporto internacional Kennedy, em Nova York,
parecia ter encolhido. Seu rosto
estava tão magro que o funcionário da alfândega não o reconheceu pela foto do passaporte.
O sotaque, que no passado o
identificava como um menino
malandro de Staten Island, havia se tornado africano.
Misu Sirleaf, a mãe de Augustus, repetia incansavelmente o
Salmo 23 -"O Senhor é meu
pastor"- enquanto esperava.
Quando o viu, ela o abraçou
com tanta força que quase o
derrubou. Ela o encarava como
se estivesse contemplando
uma maravilha.
Augustus, 21, parece-se pouco com o ousado adolescente
que partiu quatro anos atrás
para a Libéria, um país devastado pela guerra, na África Ocidental. No longo percurso para
casa, ele falou sem parar sobre a
guerra civil que terminara por
envolvê-lo e sobre as crianças-soldados que o forçaram a tirar
toda a roupa em uma esquina.
"Pikeen de seis, sete, oito
anos de armas na mão", disse
Augustus, usando a palavra que
designa "criança" no inglês da
Libéria. "Pikeen com as armas
penduradas no pescoço. Atirando com AK-47. Eu vi, sim."
"Ghostface"
Foi a mãe dele, uma refugiada da Libéria, quem tomou a
extraordinária decisão de enviar Augustus de volta para a
África. Sirleaf o fez sabendo
muito do que ele enfrentaria: a
barriga vazia, a ameaça de chibatadas públicas, o senso muito
restrito de possibilidade.
Mas ela estava segura de que,
na Libéria, ele estaria melhor
do que em Park Hill, o bairro de
Staten Island no qual ela criava
dois filhos e duas filhas.
Park Hill recebeu tantas levas de refugiados nos últimos
30 anos que certas pessoas o
chamam de "Pequena Libéria".
O bairro abriga entre 3.000 e
4.000 liberianos. Na adolescência, Augustus já havia recebido um apelido de rua (Ghostface) e aderido a uma gangue
conhecida como Bloodline,
além de conhecido o caminho
das drogas no bairro.
Desde que começam a estudar, as crianças africanas
aprendem a lutar contra as
crianças negras norte-americanas de Stapleton Houses, um
conjunto habitacional vizinho.
Em junho, quando Augustus
retornou de seus quatro anos
no exílio, a família se reuniu em
torno dele no aeroporto para
avaliar se a solução drástica havia funcionado. Wesley Forioh,
14, seu meio-irmão, observava
com cautela. Wesley é um menino americanizado e joga futebol americano em sua escola.
Sirleaf, 45, trabalha como assistente de enfermagem e ficou
feliz com o que viu: um jovem
temente a Deus, de calças bem
passadas e tão absorto no sofrimento da terra natal que sua
minúscula mala voltou lotada
de DVDs sobre a Libéria.
Enquanto o carro da família
percorria lentamente a distância que separa o aeroporto de
Staten Island, Hawah, uma prima de 13 anos, tinha uma mensagem a transmitir sobre Park
Hill: meninos mais velhos estavam tentando se aproximar de
Wesley, oferecendo tênis novos
em troca de favores, ela disse.
"Você sabe que os seus amigos
continuam indo ao apartamento para procurar você?", perguntou."Você sabia que quase
todos agora são traficantes?"
O aluguel baixo e o isolamento transformaram Park Hill em
um ponto ideal de distribuição
de drogas. Os traficantes recebem avisos sempre que um carro de polícia entra na avenida
Park Hill, conta o inspetor Richard Bruno, que comanda a
120ª delegacia de polícia, encarregada de patrulhar a área.
E quando os filhos dos imigrantes africanos voltavam da
escola, à tarde, traficantes nascidos nos Estados Unidos tentavam recrutar alguns.
Escolha materna
Não era incomum que Musu
Sirleaf enviasse os filhos para
férias na Libéria, e em maio de
2003 ela enviou Augustus. O
vôo chegou à Libéria no meio
da noite, e o rapaz demorou a
perceber que não haveria volta.
Vivendo com o tio na capital
liberiana, Monróvia, ele se
acostumou a viver sem água
corrente ou eletricidade. Quando mascava cana e cuspia o bagaço na rua, crianças famintas
corriam atrás para recolher os
restos. Também viu adultos caçando esquilos para comer. Ele
começou lentamente a mudar.
"Se você rouba, termina espancado, morto ou queimado."
E o pior estava por vir, com a
chegada dos oponentes do ex-presidente Charles Taylor à capital, depois de quatro anos de
guerra civil. Augustus viu coisas que ficaram gravadas em
sua memória -"pessoas com
um braço, uma perna, um
olho". Viu soldados estuprando
e estripando uma mulher grávida no mercado.
O que ele viu pôs fim à sua rebeldia. Ele se tornou um seguidor devoto da religião e concluiu o segundo grau. No começo do ano, sua mãe considerou
que estava pronto a retornar
para Nova York. Augustus já
não a culpava. "Ela me mostrou
como é a vida. A vida é luta."
De volta
Augustus e Wesley passam o
dia todo no apartamento 3E,
sob rígido controle da mãe. Ele
conseguiu emprego como estoquista no começo de setembro.
Se tivesse renda, imaginou, poderia começar a remeter dinheiro aos amigos na Libéria.
Ainda que uma frágil paz exista
no país desde 2003, a maioria
dos liberianos depende de dinheiro remetido dos EUA.
Mas, no fim de novembro, o
chefe de Augustus ligou para
demiti-lo, dizendo que ele faltava e se atrasava demais. O jovem tentou explicar que dependia de duas linhas de ônibus
nada confiáveis para chegar ao
trabalho, mas não adiantou.
Assim, cinco meses depois de
voltar da Libéria, Augustus está
de novo passando seus dias em
Park Hill, com as cortinas fechadas, vendo basquete na televisão e relembrando seu sonho
de jogar como profissional.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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