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"Não vai haver convergência Brasil-EUA"
Discordâncias como as sobre Irã e Honduras são comuns, mas é preciso saber superá-las, diz novo presidente do Diálogo Interamericano
Washington e Brasília devem saber lidar com diferenças de opinião e se concentrar na cooperação, afirma Michael Shifter
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Não vai haver convergência
entre Brasil e Estados Unidos.
Ainda assim, os dois países podem intensificar suas relações,
desde que Washington e Brasília tenham uma compreensão
profunda tanto de suas prioridades como de suas restrições.
A avaliação realista é de Michael Shifter, futuro presidente
do relevante centro de pensamento Diálogo Interamericano, de Washington.
Há duas semanas, o "think
tank" centrista comunicou que,
em abril de 2010, o decano Peter Hakim passará o bastão da
presidência, que ocupa desde
1993, para Shifter, um especialista em questões andinas com
passagens pelo National Endowment for Democracy e pela
Fundação Ford. Professor-adjunto de política latino-americana da Universidade de Georgetown, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha:
FOLHA - Depois de um bom começo, as relações entre a gestão de Barack Obama e a América Latina passam por um momento complicado.
O sr. vê espaço para melhora?
MICHAEL SHIFTER - Os últimos 12
meses mostraram que essa relação continuará a ser complicada, mesmo com um presidente americano popular e simpático. Infelizmente, a relação se desviou com algumas
distrações infelizes, incluindo a
crise hondurenha e o pacto de
cooperação militar EUA-Colômbia. Mas há oportunidade
real para se concentrar nas
questões fundamentais. O fato
de agora haver finalmente uma
equipe montada para a região
[após atrasos na confirmação
dos indicados pelo Senado] deve ajudar.
FOLHA - Quão importante será a
questão da presença iraniana na região nos próximos anos? O Brasil pode desempenhar um papel positivo?
SHIFTER - Há sem dúvida preocupação sobre o crescente envolvimento iraniano na América Latina, expressado recentemente no Departamento de Estado por Hillary Clinton. Os comentários dela [instando os
países da região a não flertarem
com o Irã] foram duros, e é claro que suscitaram reação forte
de Hugo Chávez. A seriedade
da questão dependerá grandemente da situação das relações
dos EUA e da comunidade internacional com o Irã. Hoje, ela
é pior do que há seis meses.
Relatório recente do promotor público de Nova York, Robert Morgenthau, sugere que
pode haver lavagem de dinheiro pelo Irã via bancos venezuelanos, para ajudar grupos como
o Hizbollah. Também há muita
especulação -e alguns mitos-
sobre o que o Irã pretende fazer
no hemisfério. É importante
ser cauteloso, não se alarmar
demais sem provas confiáveis.
O Irã passa por problemas internos enormes, então não está
claro o quanto pode fazer na
América Latina, que não é vital
para sua estratégia geopolítica.
Nesse contexto, o Brasil pode
desempenhar um importante
papel de manter as atividades
iranianas sob controle, para assegurar que elas sejam concentradas em cooperação econômica e investimentos, e não em
apoiar grupos terroristas. O
Brasil pode se posicionar bem
para ser construtivo nessa
questão, mas isso requererá ter
a noção precisa de onde, quando e como impor certos limites.
FOLHA - Alguns analistas acreditam que futuros choques entre Brasil e EUA são inevitáveis, citando como exemplos recentes a visita de
Mahmoud Ahmadinejad, a crise das
bases colombianas e a crise em Honduras. O sr. concorda?
SHIFTER - É ingênuo e irreal
pensar que EUA e Brasil vão
concordar em todas as questões. Não vai haver uma convergência, embora haja essa expectativa, o que é perfeitamente natural. As diferenças surgidas nos últimos 12 meses com
Honduras e com a visita de Ahmadinejad ilustram claramente esse ponto.
Isso não quer dizer que ambos os países não possam gerenciar e lidar com essas diferenças de maneira efetiva e hábil, tendo em mente os enormes interesses mútuos que estão em jogo. Há oportunidades
amplas para uma cooperação
intensificada numa vasta gama
de questões, de energia a meio
ambiente, passando por questões de segurança, econômicas
comerciais e de investimento.
Mas aproveitar essas oportunidades vai exigir um entendimento mais profundo das prioridades e restrições tanto em
Washington como em Brasília.
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