São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 2009

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"Não vai haver convergência Brasil-EUA"

Discordâncias como as sobre Irã e Honduras são comuns, mas é preciso saber superá-las, diz novo presidente do Diálogo Interamericano

Washington e Brasília devem saber lidar com diferenças de opinião e se concentrar na cooperação, afirma Michael Shifter

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Não vai haver convergência entre Brasil e Estados Unidos.
Ainda assim, os dois países podem intensificar suas relações, desde que Washington e Brasília tenham uma compreensão profunda tanto de suas prioridades como de suas restrições.
A avaliação realista é de Michael Shifter, futuro presidente do relevante centro de pensamento Diálogo Interamericano, de Washington.
Há duas semanas, o "think tank" centrista comunicou que, em abril de 2010, o decano Peter Hakim passará o bastão da presidência, que ocupa desde 1993, para Shifter, um especialista em questões andinas com passagens pelo National Endowment for Democracy e pela Fundação Ford. Professor-adjunto de política latino-americana da Universidade de Georgetown, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha:

 

FOLHA - Depois de um bom começo, as relações entre a gestão de Barack Obama e a América Latina passam por um momento complicado. O sr. vê espaço para melhora?
MICHAEL SHIFTER -
Os últimos 12 meses mostraram que essa relação continuará a ser complicada, mesmo com um presidente americano popular e simpático. Infelizmente, a relação se desviou com algumas distrações infelizes, incluindo a crise hondurenha e o pacto de cooperação militar EUA-Colômbia. Mas há oportunidade real para se concentrar nas questões fundamentais. O fato de agora haver finalmente uma equipe montada para a região [após atrasos na confirmação dos indicados pelo Senado] deve ajudar.

FOLHA - Quão importante será a questão da presença iraniana na região nos próximos anos? O Brasil pode desempenhar um papel positivo?
SHIFTER -
Há sem dúvida preocupação sobre o crescente envolvimento iraniano na América Latina, expressado recentemente no Departamento de Estado por Hillary Clinton. Os comentários dela [instando os países da região a não flertarem com o Irã] foram duros, e é claro que suscitaram reação forte de Hugo Chávez. A seriedade da questão dependerá grandemente da situação das relações dos EUA e da comunidade internacional com o Irã. Hoje, ela é pior do que há seis meses.
Relatório recente do promotor público de Nova York, Robert Morgenthau, sugere que pode haver lavagem de dinheiro pelo Irã via bancos venezuelanos, para ajudar grupos como o Hizbollah. Também há muita especulação -e alguns mitos- sobre o que o Irã pretende fazer no hemisfério. É importante ser cauteloso, não se alarmar demais sem provas confiáveis.
O Irã passa por problemas internos enormes, então não está claro o quanto pode fazer na América Latina, que não é vital para sua estratégia geopolítica.
Nesse contexto, o Brasil pode desempenhar um importante papel de manter as atividades iranianas sob controle, para assegurar que elas sejam concentradas em cooperação econômica e investimentos, e não em apoiar grupos terroristas. O Brasil pode se posicionar bem para ser construtivo nessa questão, mas isso requererá ter a noção precisa de onde, quando e como impor certos limites.

FOLHA - Alguns analistas acreditam que futuros choques entre Brasil e EUA são inevitáveis, citando como exemplos recentes a visita de Mahmoud Ahmadinejad, a crise das bases colombianas e a crise em Honduras. O sr. concorda?
SHIFTER -
É ingênuo e irreal pensar que EUA e Brasil vão concordar em todas as questões. Não vai haver uma convergência, embora haja essa expectativa, o que é perfeitamente natural. As diferenças surgidas nos últimos 12 meses com Honduras e com a visita de Ahmadinejad ilustram claramente esse ponto.
Isso não quer dizer que ambos os países não possam gerenciar e lidar com essas diferenças de maneira efetiva e hábil, tendo em mente os enormes interesses mútuos que estão em jogo. Há oportunidades amplas para uma cooperação intensificada numa vasta gama de questões, de energia a meio ambiente, passando por questões de segurança, econômicas comerciais e de investimento.
Mas aproveitar essas oportunidades vai exigir um entendimento mais profundo das prioridades e restrições tanto em Washington como em Brasília.


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