São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 2009

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CLÓVIS ROSSI

A felicidade até existe (em Davos)


Crise global abre brecha para debater não só o progresso, mas também bem-estar no Fórum Econômico Mundial


É UMA impressão preliminar, até porque o programa é igualmente preliminar, mas o encontro anual-2010 do Fórum Econômico Mundial, aquela reunião que todo janeiro leva ao pico dos Alpes suíços um mundão de personalidades, pode ser dominado pelo mais heterodoxo dos economistas contemporâneos, um certo Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001.
Dominado talvez seja um verbo forte demais, mas o fato é que Stiglitz estará presente em duas sessões relevantes do dia de inauguração do encontro, a quarta-feira, 27. Numa, será discutido "o que é necessário para reconstruir a reputação da economia como ciência social". No jantar do mesmo dia, Stiglitz comanda uma mesa em torno de sua mais recente cruzada, que, em Davos, ganhou o codinome de "Economia da Felicidade".
Stiglitz chefiou uma comissão de notáveis que, há três meses, apresentou ao presidente francês Nicolas Sarkozy uma proposta para medir o desempenho econômico que vá muito além do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção de bens e serviços) e inclua o bem-estar e o meio ambiente.
Seria FIB (Felicidade Interna Bruta). Um movimento com essas características existe já faz algum tempo, mas confinado ao reino do Butão, o que é pouco para ganhar os holofotes.
Davos, ao contrário, concentra a maior quantidade de personalidades por metro quadrado que o planeta consegue colocar na mesma sala (no caso, o seu Centro de Congressos), o que, inexoravelmente, atrai também uma formidável coleção de holofotes da mídia.
Que Stiglitz é um iconoclasta, descobri ao vivo e em cores, quando coincidimos em um almoço no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, faz uns cinco anos.
O economista contou que, no primeiro contato que teve com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, logo no início do governo Lula, lhe sugeriu que evitasse fazer o que fizera o presidente americano Bill Clinton (do qual, aliás, Stiglitz foi chefe dos assessores econômicos).
"Clinton se elegeu falando em "put the people first" (dar prioridade às pessoas), mas acabou investindo todas as suas energias em reduzir e até em eliminar o deficit fiscal", rememorou o economista, hoje como então na Universidade Columbia, uma das mais lustrosas grifes acadêmicas do mundo.
O resultado, sempre segundo o relato de Stiglitz, foi "agradar a Wall Street, beneficiando, com redução de impostos, algumas das pessoas mais ricas".
Palocci não deu ouvidos a Stiglitz, tanto que o governo Lula caprichou, anos a fio, mesmo depois da queda de Palocci, nos cuidados com os rentistas, os donos de títulos da dívida brasileira. Só com a crise de 2008 é que foi reduzido o superavit fiscal primário (com o qual se paga a turma do papelório).
No mundo todo, de resto, os governos entupiram-se de dívidas para resgatar a economia do buraco, o que dá a Stiglitz (e demais iconoclastas) a chance de discutir como "reconstruir a reputação da economia", o que lhes era negado pela ditadura do pensamento único, abalada pela crise mas ainda não vencida.

crossi@uol.com.br


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