São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2002

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FRANÇA

À Folha, Delanoë diz que é "inaceitável explorar o sofrimento" das vítimas da violência para vencer uma eleição

Prefeito de Paris ataca uso eleitoral de crime

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, considera inadmissível que o tema da violência seja usado como recurso demagógico em campanhas eleitorais. "Eu creio que, em relação a um assunto dessa importância, seja inaceitável explorar o sofrimento e o mal vividos por numerosos cidadãos", disse ele à Folha.
Na França, como no Brasil, a violência e a segurança pública serão os assuntos capitais dos discursos para a eleição presidencial, em maio. O país está vivendo um aumento inédito da criminalidade -quase 6%, de janeiro a setembro de 2001, só em Paris.
Amanhã, Delanoë chega ao Brasil para participar de uma reunião de prefeitos que precede a abertura do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
Há nove meses no governo, Delanoë, ligado ao Partido Socialista, do primeiro-ministro Lionel Jospin, é um dos mais dinâmicos administradores de Paris nos últimos tempos. Iniciou desde o fim do ano passado uma série de reformas que deverão melhorar bastante a já excelente qualidade de vida da cidade. Neste mês, criou um Conselho de Cidadania para residentes estrangeiros, uma chance de intervenção política para aqueles que não podem votar.
A ambição de Delanoë é "criar uma Paris mais convivial" e resgatar para a cidade o seu lugar como capital da "inovação e da experimentação" culturais. "É preciso recolocar Paris em movimento, para que ela reencontre a vitalidade, a energia e a audácia que fizeram a sua história", diz ele. Leia a seguir trechos da entrevista, respondida por fax.

Folha - Como reconquistar a importância cultural de Paris no século 21 e evitar que ela se torne simplesmente um belo museu das experiências dos séculos anteriores?
Bertrand Delanoë -
Paris é uma cidade universal, um lugar aberto à cultura de todos os homens. Poucas cidades brilham no mundo com tanta força e intensidade, mas é verdade que, nesses últimos anos, ela perdeu ambição e provoca o sentimento de estar fechada em si mesma. É preciso então recolocar Paris em movimento, para que ela reencontre a vitalidade, a energia e a audácia que fizeram a sua história.
Paris deverá ser uma cidade de vanguarda, um laboratório de idéias, um lugar de inovação e de experimentação. Isso significa que nós devemos engajá-la numa nova dinâmica social, cultural e democrática, que associa os cidadãos à vida da cidade. A Torre Eiffel, os Champs Elysées, o Louvre permanecem os símbolos maiores de Paris. Mas eu gostaria também que as pessoas viessem para nossa cidade a fim de apreciar uma maneira de viver, uma vitalidade cultural fundada sobre a troca permanente entre os homens e as culturas. É na sua vontade de sempre reinventar o seu cotidiano que os parisienses querem ser amados pelo mundo inteiro.

Folha - O sr. está realizando uma reforma urbana em Paris. Que imagem da cidade deseja deixar no fim de seu mandato?
Delanoë -
Paris é uma cidade de revolução e conquista. A aposta hoje é na qualidade de vida. Todos os projetos urbanos que estamos realizando visam, precisamente, restaurar o cotidiano dos habitantes, influenciar positivamente o "viver junto" na capital.
As obras são múltiplas: repensar os deslocamentos na cidade, favorecendo os modos de transporte alternativos ao automóvel; criar novos espaços verdes, pois Paris, a cidade mais densamente povoada da Europa, tem necessidade de respirar; reabilitar zonas urbanas degradadas, sobretudo na periferia; conduzir uma política de habitação que respeite a diversidade sociológica; criar enfim novas instalações (creches, de esportes...) para melhor responder ao desejo dos parisienses.
Acho essencial inventar com todos os habitantes uma Paris mais humana, mais convivial, mais solidária, mas também mais estimulante.

Folha - Paris começa a apresentar problemas típicos do Terceiro Mundo, como a pobreza, a violência, a falta de habitação. Quais as chances de lutar contra esse fenômeno?
Delanoë -
Paris está confrontada com todos os fenômenos e desafios sociais que conhece a civilização urbana: exclusões, discriminação, pobreza... Não são fatalidades às quais temos de nos resignar, mesmo se o desafio é considerável. São questões que é preciso tratar com energia e vontade.
É preciso primeiro aprofundar a solidariedade: nós o fazemos, por exemplo, aumentando fortemente a ajuda às famílias monoparentais e contribuindo na inserção daqueles que estão privados de empregos. É preciso, a seguir, que cada um possa dispor de uma moradia decente na cidade. Estamos comprando imóveis inteiros, inclusive nos melhores bairros, para transformá-los o mais rapidamente possível em habitações sociais. Lançamos igualmente um vasto plano de erradicação de 1.200 imóveis parisienses insalubres.
Enfim, é preciso conduzir com extrema vigilância uma luta sem falhas contra todas as discriminações, sejam elas ligadas à idade, ao sexo ou à origem das pessoas.

Folha - A criminalidade em Paris aumentou 5,7% nos nove primeiros meses de 2001. Como o sr. explica esse aumento e como pretende enfrentar o problema?
Delanoë -
As cifras traduzem uma realidade preocupante, mesmo se elas demonstram também um melhor registro das queixas, assim como uma maior taxa de elucidação. Na condição de prefeito, eu não disponho em Paris dos poderes de polícia, que são da alçada do Estado.
Mas, desde a minha eleição, lancei um dispositivo inédito para lutar contra a insegurança. A prefeitura moveu um esforço sem precedentes para recrutar e formar um quadro de pessoas destinadas à segurança dos estacionamentos e das saídas das escolas ou ao acompanhamento de idosos.
Esses recrutamentos, que contribuem para aliviar a polícia nacional de tarefas que ela assumia até o presente, permitiram deslocar mil policiais suplementares para o serviço de segurança das pessoas e dos bens.
Mas lutar contra a insegurança é também melhorar a iluminação pública, reformar os bairros e as moradias degradadas, um grande número de ações, como já indiquei, a que estamos engajados há nove meses.

Folha - Nas eleições presidenciais, a questão da violência vai ter um papel central. Como escapar ao uso político da questão e formular uma verdadeira política democrática de combate à violência?
Delanoë -
É verdade que, durante a campanha, alguns correm o risco de serem tentados por promessa demagógicas sobre esse tema. Eu creio, contudo, que, em relação a um assunto dessa importância, seja inaceitável explorar o sofrimento e o mal vividos por numerosos cidadãos.
A insegurança é um desafio para todos os responsáveis políticos. Espero que a esquerda o enfrente como ela enfrentou a questão do desemprego em 1997, com realismo e vontade, numa perspectiva de resultado.
Observo, além disso, que, depois de cinco anos, várias iniciativas ilustram a determinação do governo Lionel Jospin de lutar contra a insegurança. Mas esse esforço deverá evidentemente ter prosseguimento e ser ampliado.

Folha - Comparada a Paris, a cidade de São Paulo parece uma anomalia, com seus imensos problemas urbanos e sociais. Quais são suas sugestões aos brasileiros para melhorar a vida em suas cidades?
Delanoë -
São Paulo não é uma "anomalia". É uma imensa metrópole, um dos centros econômicos do Brasil e que enfrenta as dificuldades de uma grande cidade. De minha parte, eu estou muito feliz que Marta Suplicy esteja no comando desta cidade. Como você sabe, tocou-me bastante o apoio que ela deu à minha campanha para as eleições municipais, no ano passado.
Eu não esqueço também que Lionel Jospin a encontrou quando de sua visita ao Brasil em abril último. Nós estamos bastante decididos a realizar uma cooperação durável. Eu sei, por exemplo, que ela vai organizar, de 5 a 8 de junho próximo, em São Paulo, um congresso internacional consagrado aos políticos e às práticas inovadoras na gestão das cidades: eis uma iniciativa que me interessa e sobre a qual falaremos em minha visita ao Brasil.
Eu creio que nossas cidades tenham trocas e parcerias a construir, sobretudo nas questões de urbanismo, às quais Marta dedica uma atenção particular.

Folha - Como o prefeito homossexual de uma cidade como Paris pode contribuir na luta contra a discriminação em outros países?
Delanoë -
Eu sou o prefeito de todos os parisienses. Eles me confiaram um mandato claro ao qual eu me consagro enquanto animador de uma equipe diversificada e competente. Se, além disso, minha eleição pode contribuir para fazer evoluir a mentalidade no sentido de uma maior abertura, tanto melhor. Mas o caminho ainda é longo, e os acontecimentos recentes mostram bem que a situação permanece trágica em vários países. Recentemente, em seguida ao "processo" de 52 egípcios "acusados" de homossexualismo, eu procurei o embaixador do Egito na França para lhe pedir que assegurasse o respeito à Justiça e ao direito das pessoas. Também procurei o embaixador da Arábia Saudita para denunciar o ato bárbaro de decapitar pessoas acusadas de homossexualismo.

Folha - O governo socialista é um fato excepcional na história política da Prefeitura de Paris. O que significa uma cidade governada por socialistas? E o que significa ser socialista hoje?
Delanoë -
É um fato. As forças progressistas e reformadoras souberam reunir, pela primeira vez depois de um século, uma maioria de parisienses -o que indica a exigência à qual estamos confrontados. Nós devemos fazer de nossos seis anos de mandato um momento forte de criatividade e solidariedade, a fim de que eles possam gerar uma melhoria real e perceptível da vida das pessoas.
Nós devemos também ser exemplares na nossa prática de poder, respeitando os nossos compromissos, os parisienses, as regras. Em suma, nós devemos mudar tantas coisas. Recusar toda resignação, lutar contra o conformismo, agir pela igualdade e a dignidade de cada um e também favorecer uma nova dinâmica cultural e econômica: eis o que significa para mim ser de esquerda.


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