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FRANÇA
À Folha, Delanoë diz que é "inaceitável explorar o sofrimento" das vítimas da violência para vencer uma eleição
Prefeito de Paris ataca uso eleitoral de crime
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O prefeito de Paris, Bertrand
Delanoë, considera inadmissível
que o tema da violência seja usado
como recurso demagógico em
campanhas eleitorais. "Eu creio
que, em relação a um assunto dessa importância, seja inaceitável
explorar o sofrimento e o mal vividos por numerosos cidadãos",
disse ele à Folha.
Na França, como no Brasil, a
violência e a segurança pública serão os assuntos capitais dos discursos para a eleição presidencial,
em maio. O país está vivendo um
aumento inédito da criminalidade -quase 6%, de janeiro a setembro de 2001, só em Paris.
Amanhã, Delanoë chega ao Brasil para participar de uma reunião
de prefeitos que precede a abertura do Fórum Social Mundial, em
Porto Alegre.
Há nove meses no governo, Delanoë, ligado ao Partido Socialista,
do primeiro-ministro Lionel Jospin, é um dos mais dinâmicos administradores de Paris nos últimos tempos. Iniciou desde o fim
do ano passado uma série de reformas que deverão melhorar
bastante a já excelente qualidade
de vida da cidade. Neste mês,
criou um Conselho de Cidadania
para residentes estrangeiros, uma
chance de intervenção política para aqueles que não podem votar.
A ambição de Delanoë é "criar
uma Paris mais convivial" e resgatar para a cidade o seu lugar como capital da "inovação e da experimentação" culturais. "É preciso recolocar Paris em movimento, para que ela reencontre a vitalidade, a energia e a audácia que
fizeram a sua história", diz ele.
Leia a seguir trechos da entrevista,
respondida por fax.
Folha - Como reconquistar a importância cultural de Paris no século 21 e evitar que ela se torne simplesmente um belo museu das experiências dos séculos anteriores?
Bertrand Delanoë - Paris é uma
cidade universal, um lugar aberto
à cultura de todos os homens.
Poucas cidades brilham no mundo com tanta força e intensidade,
mas é verdade que, nesses últimos
anos, ela perdeu ambição e provoca o sentimento de estar fechada em si mesma. É preciso então
recolocar Paris em movimento,
para que ela reencontre a vitalidade, a energia e a audácia que fizeram a sua história.
Paris deverá ser uma cidade de
vanguarda, um laboratório de
idéias, um lugar de inovação e de
experimentação. Isso significa
que nós devemos engajá-la numa
nova dinâmica social, cultural e
democrática, que associa os cidadãos à vida da cidade. A Torre Eiffel, os Champs Elysées, o Louvre
permanecem os símbolos maiores de Paris. Mas eu gostaria também que as pessoas viessem para
nossa cidade a fim de apreciar
uma maneira de viver, uma vitalidade cultural fundada sobre a troca permanente entre os homens e
as culturas. É na sua vontade de
sempre reinventar o seu cotidiano
que os parisienses querem ser
amados pelo mundo inteiro.
Folha - O sr. está realizando uma
reforma urbana em Paris. Que imagem da cidade deseja deixar no fim
de seu mandato?
Delanoë - Paris é uma cidade de
revolução e conquista. A aposta
hoje é na qualidade de vida. Todos os projetos urbanos que estamos realizando visam, precisamente, restaurar o cotidiano dos
habitantes, influenciar positivamente o "viver junto" na capital.
As obras são múltiplas: repensar os deslocamentos na cidade,
favorecendo os modos de transporte alternativos ao automóvel;
criar novos espaços verdes, pois
Paris, a cidade mais densamente
povoada da Europa, tem necessidade de respirar; reabilitar zonas
urbanas degradadas, sobretudo
na periferia; conduzir uma política de habitação que respeite a diversidade sociológica; criar enfim
novas instalações (creches, de esportes...) para melhor responder
ao desejo dos parisienses.
Acho essencial inventar com todos os habitantes uma Paris mais
humana, mais convivial, mais solidária, mas também mais estimulante.
Folha - Paris começa a apresentar
problemas típicos do Terceiro Mundo, como a pobreza, a violência, a
falta de habitação. Quais as chances de lutar contra esse fenômeno?
Delanoë - Paris está confrontada
com todos os fenômenos e desafios sociais que conhece a civilização urbana: exclusões, discriminação, pobreza... Não são fatalidades às quais temos de nos resignar, mesmo se o desafio é considerável. São questões que é preciso tratar com energia e vontade.
É preciso primeiro aprofundar a
solidariedade: nós o fazemos, por
exemplo, aumentando fortemente a ajuda às famílias monoparentais e contribuindo na inserção
daqueles que estão privados de
empregos. É preciso, a seguir, que
cada um possa dispor de uma
moradia decente na cidade. Estamos comprando imóveis inteiros,
inclusive nos melhores bairros,
para transformá-los o mais rapidamente possível em habitações
sociais. Lançamos igualmente um
vasto plano de erradicação de
1.200 imóveis parisienses insalubres.
Enfim, é preciso conduzir com
extrema vigilância uma luta sem
falhas contra todas as discriminações, sejam elas ligadas à idade, ao
sexo ou à origem das pessoas.
Folha - A criminalidade em Paris
aumentou 5,7% nos nove primeiros meses de 2001. Como o sr. explica esse aumento e como pretende enfrentar o problema?
Delanoë - As cifras traduzem
uma realidade preocupante, mesmo se elas demonstram também
um melhor registro das queixas,
assim como uma maior taxa de
elucidação. Na condição de prefeito, eu não disponho em Paris
dos poderes de polícia, que são da
alçada do Estado.
Mas, desde a minha eleição, lancei um dispositivo inédito para lutar contra a insegurança. A prefeitura moveu um esforço sem precedentes para recrutar e formar
um quadro de pessoas destinadas
à segurança dos estacionamentos
e das saídas das escolas ou ao
acompanhamento de idosos.
Esses recrutamentos, que contribuem para aliviar a polícia nacional de tarefas que ela assumia
até o presente, permitiram deslocar mil policiais suplementares
para o serviço de segurança das
pessoas e dos bens.
Mas lutar contra a insegurança é
também melhorar a iluminação
pública, reformar os bairros e as
moradias degradadas, um grande
número de ações, como já indiquei, a que estamos engajados há
nove meses.
Folha - Nas eleições presidenciais, a questão da violência vai ter
um papel central. Como escapar ao
uso político da questão e formular
uma verdadeira política democrática de combate à violência?
Delanoë - É verdade que, durante a campanha, alguns correm o
risco de serem tentados por promessa demagógicas sobre esse tema. Eu creio, contudo, que, em
relação a um assunto dessa importância, seja inaceitável explorar o sofrimento e o mal vividos
por numerosos cidadãos.
A insegurança é um desafio para todos os responsáveis políticos.
Espero que a esquerda o enfrente
como ela enfrentou a questão do
desemprego em 1997, com realismo e vontade, numa perspectiva
de resultado.
Observo, além disso, que, depois de cinco anos, várias iniciativas ilustram a determinação do
governo Lionel Jospin de lutar
contra a insegurança. Mas esse esforço deverá evidentemente ter
prosseguimento e ser ampliado.
Folha - Comparada a Paris, a cidade de São Paulo parece uma anomalia, com seus imensos problemas urbanos e sociais. Quais são
suas sugestões aos brasileiros para
melhorar a vida em suas cidades?
Delanoë - São Paulo não é uma
"anomalia". É uma imensa metrópole, um dos centros econômicos do Brasil e que enfrenta as dificuldades de uma grande cidade.
De minha parte, eu estou muito
feliz que Marta Suplicy esteja no
comando desta cidade. Como você sabe, tocou-me bastante o
apoio que ela deu à minha campanha para as eleições municipais,
no ano passado.
Eu não esqueço também que
Lionel Jospin a encontrou quando de sua visita ao Brasil em abril
último. Nós estamos bastante decididos a realizar uma cooperação
durável. Eu sei, por exemplo, que
ela vai organizar, de 5 a 8 de junho
próximo, em São Paulo, um congresso internacional consagrado
aos políticos e às práticas inovadoras na gestão das cidades: eis
uma iniciativa que me interessa e
sobre a qual falaremos em minha
visita ao Brasil.
Eu creio que nossas cidades tenham trocas e parcerias a construir, sobretudo nas questões de
urbanismo, às quais Marta dedica
uma atenção particular.
Folha - Como o prefeito homossexual de uma cidade como Paris pode contribuir na luta contra a discriminação em outros países?
Delanoë - Eu sou o prefeito de
todos os parisienses. Eles me confiaram um mandato claro ao qual
eu me consagro enquanto animador de uma equipe diversificada e
competente. Se, além disso, minha eleição pode contribuir para
fazer evoluir a mentalidade no
sentido de uma maior abertura,
tanto melhor. Mas o caminho ainda é longo, e os acontecimentos
recentes mostram bem que a situação permanece trágica em vários países. Recentemente, em seguida ao "processo" de 52 egípcios "acusados" de homossexualismo, eu procurei o embaixador
do Egito na França para lhe pedir
que assegurasse o respeito à Justiça e ao direito das pessoas. Também procurei o embaixador da
Arábia Saudita para denunciar o
ato bárbaro de decapitar pessoas
acusadas de homossexualismo.
Folha - O governo socialista é um
fato excepcional na história política da Prefeitura de Paris. O que significa uma cidade governada por
socialistas? E o que significa ser socialista hoje?
Delanoë - É um fato. As forças
progressistas e reformadoras souberam reunir, pela primeira vez
depois de um século, uma maioria de parisienses -o que indica a
exigência à qual estamos confrontados. Nós devemos fazer de nossos seis anos de mandato um momento forte de criatividade e solidariedade, a fim de que eles possam gerar uma melhoria real e
perceptível da vida das pessoas.
Nós devemos também ser
exemplares na nossa prática de
poder, respeitando os nossos
compromissos, os parisienses, as
regras. Em suma, nós devemos
mudar tantas coisas. Recusar toda
resignação, lutar contra o conformismo, agir pela igualdade e a
dignidade de cada um e também
favorecer uma nova dinâmica
cultural e econômica: eis o que
significa para mim ser de esquerda.
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