|
Texto Anterior | Índice
COLÔMBIA
Para biógrafo de Pablo Escobar, é impossível dissociar hoje o conflito armado da questão do tráfico de drogas
"Narcotráfico foi o motor da guerra civil colombiana"
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
Os vínculos das guerrilhas colombianas e dos grupos paramilitares do país com o narcotráfico, a
partir dos anos 80, foram o motor
que permitiu a eles ganhar impulso e intensificar uma guerra civil
que já dura quatro décadas e que
vem produzindo cerca de 4.000
mortos ao ano. A observação é de
Alonso Salazar, jornalista colombiano especialista em narcotráfico e autor de "La Parabola de Pablo", uma recém-lançada biografia de Pablo Escobar, o mítico chefão do cartel de Medellín, morto
pela polícia em 1993.
Segundo Salazar, o envolvimento das guerrilhas com o tráfico
transformou-as de pequenos grupos isolados na selva em um Exército capaz de ameaçar o Estado.
Na outra ponta do atual conflito
estão os paramilitares, nascidos
nos anos 80 dentro do próprio
cartel de Medellín, pelas mãos dos
irmãos Carlos e Fidel Castaño, então sócios de Escobar. Fidel foi
morto em 1994 em um confronto
com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e
Carlos chefia hoje as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia),
principal grupo paramilitar do
país. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Salazar à
Folha, por telefone, de Bogotá.
Folha - De que maneira o aparecimento dos grandes cartéis do narcotráfico, nos anos 80, alterou a ordem da guerra civil colombiana?
Alonso Salazar - O grande motor
da guerra que vive a Colômbia é o
narcotráfico. As guerrilhas na Colômbia se fortaleceram muito nos
anos 80, apesar de seu apoio popular ter caído. No caso específico
das Farc, isso acontece por estarem localizadas nas zonas nas
quais cresceu enormemente o
cultivo de papoula e de coca. Inicialmente, eles cobravam para dar
proteção aos cultivadores, mas
pouco a pouco foram se envolvendo cada vez mais com os circuitos do narcotráfico.
O outro setor, dos paramilitares, foi criado e financiado pelo
narcotráfico. O líder desse grupo,
Carlos Castaño, admite que a
maior parte de seu financiamento
provém desse setor.
Folha - Como foi o aparecimento
dos paramilitares?
Salazar - Carlos e seu irmão Fidel faziam parte do cartel de Medellín e participaram do embrião
do que foi depois o paramilitarismo. O momento de formação
desse grupo aconteceu em 1981,
após o sequestro de uma das filhas do clã Ochoa (família integrante do cartel), Martha Nieves
Ochoa (pelo então grupo guerrilheiro M-19, que em 1990 se transformou em partido político).
O grupo de traficantes reagiu
em bloco para libertá-la, em associação com as forças policiais e
com as Forças Armadas. Criaram
então o grupo "Morte aos Sequestradores", que, depois, os irmãos
Castaño transformaram em um
instrumento da luta contra a esquerda e contra as guerrilhas, das
quais se fizeram acérrimos inimigos depois que as Farc sequestraram e assassinaram seu pai.
Folha - Antes desse envolvimento
do narcotráfico com esses grupos
-guerrilha e paramilitares-, eles
tinham a capacidade que têm hoje
de enfrentar o Estado?
Salazar - Não. A guerrilha colombiana até os anos 80 era uma
guerrilha mediana, muito isolada,
localizada sobretudo em zonas
geográficas ermas, selváticas, sem
muita capacidade de desafio à institucionalidade. Depois de todo o
processo de derrubada do mundo
socialista, da queda do Muro de
Berlim e da Constituinte que se
fez em 1990 na Colômbia, as Farc
ficaram aparentemente com menor viabilidade política. Foi a ligação com a economia do narcotráfico que lhes deu o grande combustível e que lhes permitiu crescer numericamente e ser uma
ameaça à sociedade. O mesmo
aconteceu com os paramilitares.
Folha - A guerra hoje visa a manutenção do negócio do tráfico ou as
Farc ainda têm a pretensão de controlar o Estado e estabelecer um
governo marxista na Colômbia?
Salazar - Eles ideologicamente
permanecem muito ancorados
nessas ideologias dos anos 1960,
que a maioria das pessoas considera cada vez menos viáveis. E
nos últimos tempos se produziu
uma coisa muito importante: as
populações começaram a fazer
resistência civil não armada às incursões da guerrilha. Acho que isso é uma derrota estratégica da
guerrilha. Mao Tsé-tung dizia que
a guerrilha tem de ser para o povo
como o peixe para a água. Uma
guerrilha que já encontra na entrada dos povoados as pessoas desarmadas pedindo que não destruam suas cidades é uma guerrilha derrotada estrategicamente.
Isso evidencia a fragilidade de seu
próprio projeto político e de suas
consignas, o que faz pensar que as
cifras e os volumes do narcotráfico possam estar tomando muita
importância em seus planos.
Folha - E do lado dos paramilitares, que influência tem o narcotráfico em suas ações?
Salazar - Há núcleos paramilitares que surgiram muito ligados ao
narcotráfico e, pelo poder econômico que têm, são os que tendem
a ter controle hegemônico. O próprio Carlos Castaño vem de uma
família e de uma organização por
anos dedicadas ao narcotráfico. E
ele reconhece que está aí a maior
parte de seus financiadores. Ou
seja, não se deve buscar maiores
explicações para a coisa.
O narcotráfico e os paramilitares ainda têm, infelizmente, muitos nexos com a institucionalidade, com setores das Forças Armadas e da política. O próprio Carlos
Castaño adquiriu uma grande legitimidade na luta contra Pablo
Escobar. Eles ficaram inimigos, e
os irmãos Castaño assumiram a
luta contra Pablo tanto associados
com os organismos policiais colombianos como com os organismos americanos, especialmente
com a DEA (agência antidrogas).
E isso lhes deu um vínculo institucional que eles souberam aproveitar muitíssimo para se fortalecer.
E seguem sendo permanentes as
denúncias sobre oficiais do Exército vinculados ao paramilitarismo.
Folha - Há duas semanas, o governo colombiano admitiu que pediu aos EUA permissão para utilizar
os recursos do Plano Colômbia de
combate ao narcotráfico também
no combate às guerrilhas e aos paramilitares. Isso significa que já se
considera a guerra civil e a guerra
ao narcotráfico como uma coisa só?
Salazar - É cada vez mais indissociável a questão do narcotráfico
e a confrontação armada na Colômbia, porque os cultivos que se
quer combater estão nas áreas de
controle da guerrilha, e a guerrilha já disse que vai defendê-los
militarmente. Então, na prática, é
impossível fazer essa diferenciação. Além disso, depois de 11 de
setembro, a maior preocupação
dos EUA com o terrorismo deve
tornar mais flexível a atitude do
governo americano para que a
ajuda contra o narcotráfico possa
ser usada contra os insurgentes.
Texto Anterior: Comentário: Um vazio eloquente Índice
|