São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2002

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COLÔMBIA

Para biógrafo de Pablo Escobar, é impossível dissociar hoje o conflito armado da questão do tráfico de drogas

"Narcotráfico foi o motor da guerra civil colombiana"

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

Os vínculos das guerrilhas colombianas e dos grupos paramilitares do país com o narcotráfico, a partir dos anos 80, foram o motor que permitiu a eles ganhar impulso e intensificar uma guerra civil que já dura quatro décadas e que vem produzindo cerca de 4.000 mortos ao ano. A observação é de Alonso Salazar, jornalista colombiano especialista em narcotráfico e autor de "La Parabola de Pablo", uma recém-lançada biografia de Pablo Escobar, o mítico chefão do cartel de Medellín, morto pela polícia em 1993.
Segundo Salazar, o envolvimento das guerrilhas com o tráfico transformou-as de pequenos grupos isolados na selva em um Exército capaz de ameaçar o Estado.
Na outra ponta do atual conflito estão os paramilitares, nascidos nos anos 80 dentro do próprio cartel de Medellín, pelas mãos dos irmãos Carlos e Fidel Castaño, então sócios de Escobar. Fidel foi morto em 1994 em um confronto com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), e Carlos chefia hoje as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), principal grupo paramilitar do país. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por Salazar à Folha, por telefone, de Bogotá.

Folha - De que maneira o aparecimento dos grandes cartéis do narcotráfico, nos anos 80, alterou a ordem da guerra civil colombiana?
Alonso Salazar -
O grande motor da guerra que vive a Colômbia é o narcotráfico. As guerrilhas na Colômbia se fortaleceram muito nos anos 80, apesar de seu apoio popular ter caído. No caso específico das Farc, isso acontece por estarem localizadas nas zonas nas quais cresceu enormemente o cultivo de papoula e de coca. Inicialmente, eles cobravam para dar proteção aos cultivadores, mas pouco a pouco foram se envolvendo cada vez mais com os circuitos do narcotráfico.
O outro setor, dos paramilitares, foi criado e financiado pelo narcotráfico. O líder desse grupo, Carlos Castaño, admite que a maior parte de seu financiamento provém desse setor.

Folha - Como foi o aparecimento dos paramilitares?
Salazar -
Carlos e seu irmão Fidel faziam parte do cartel de Medellín e participaram do embrião do que foi depois o paramilitarismo. O momento de formação desse grupo aconteceu em 1981, após o sequestro de uma das filhas do clã Ochoa (família integrante do cartel), Martha Nieves Ochoa (pelo então grupo guerrilheiro M-19, que em 1990 se transformou em partido político).
O grupo de traficantes reagiu em bloco para libertá-la, em associação com as forças policiais e com as Forças Armadas. Criaram então o grupo "Morte aos Sequestradores", que, depois, os irmãos Castaño transformaram em um instrumento da luta contra a esquerda e contra as guerrilhas, das quais se fizeram acérrimos inimigos depois que as Farc sequestraram e assassinaram seu pai.

Folha - Antes desse envolvimento do narcotráfico com esses grupos -guerrilha e paramilitares-, eles tinham a capacidade que têm hoje de enfrentar o Estado?
Salazar -
Não. A guerrilha colombiana até os anos 80 era uma guerrilha mediana, muito isolada, localizada sobretudo em zonas geográficas ermas, selváticas, sem muita capacidade de desafio à institucionalidade. Depois de todo o processo de derrubada do mundo socialista, da queda do Muro de Berlim e da Constituinte que se fez em 1990 na Colômbia, as Farc ficaram aparentemente com menor viabilidade política. Foi a ligação com a economia do narcotráfico que lhes deu o grande combustível e que lhes permitiu crescer numericamente e ser uma ameaça à sociedade. O mesmo aconteceu com os paramilitares.

Folha - A guerra hoje visa a manutenção do negócio do tráfico ou as Farc ainda têm a pretensão de controlar o Estado e estabelecer um governo marxista na Colômbia?
Salazar -
Eles ideologicamente permanecem muito ancorados nessas ideologias dos anos 1960, que a maioria das pessoas considera cada vez menos viáveis. E nos últimos tempos se produziu uma coisa muito importante: as populações começaram a fazer resistência civil não armada às incursões da guerrilha. Acho que isso é uma derrota estratégica da guerrilha. Mao Tsé-tung dizia que a guerrilha tem de ser para o povo como o peixe para a água. Uma guerrilha que já encontra na entrada dos povoados as pessoas desarmadas pedindo que não destruam suas cidades é uma guerrilha derrotada estrategicamente. Isso evidencia a fragilidade de seu próprio projeto político e de suas consignas, o que faz pensar que as cifras e os volumes do narcotráfico possam estar tomando muita importância em seus planos.

Folha - E do lado dos paramilitares, que influência tem o narcotráfico em suas ações?
Salazar -
Há núcleos paramilitares que surgiram muito ligados ao narcotráfico e, pelo poder econômico que têm, são os que tendem a ter controle hegemônico. O próprio Carlos Castaño vem de uma família e de uma organização por anos dedicadas ao narcotráfico. E ele reconhece que está aí a maior parte de seus financiadores. Ou seja, não se deve buscar maiores explicações para a coisa.
O narcotráfico e os paramilitares ainda têm, infelizmente, muitos nexos com a institucionalidade, com setores das Forças Armadas e da política. O próprio Carlos Castaño adquiriu uma grande legitimidade na luta contra Pablo Escobar. Eles ficaram inimigos, e os irmãos Castaño assumiram a luta contra Pablo tanto associados com os organismos policiais colombianos como com os organismos americanos, especialmente com a DEA (agência antidrogas). E isso lhes deu um vínculo institucional que eles souberam aproveitar muitíssimo para se fortalecer. E seguem sendo permanentes as denúncias sobre oficiais do Exército vinculados ao paramilitarismo.

Folha - Há duas semanas, o governo colombiano admitiu que pediu aos EUA permissão para utilizar os recursos do Plano Colômbia de combate ao narcotráfico também no combate às guerrilhas e aos paramilitares. Isso significa que já se considera a guerra civil e a guerra ao narcotráfico como uma coisa só?
Salazar -
É cada vez mais indissociável a questão do narcotráfico e a confrontação armada na Colômbia, porque os cultivos que se quer combater estão nas áreas de controle da guerrilha, e a guerrilha já disse que vai defendê-los militarmente. Então, na prática, é impossível fazer essa diferenciação. Além disso, depois de 11 de setembro, a maior preocupação dos EUA com o terrorismo deve tornar mais flexível a atitude do governo americano para que a ajuda contra o narcotráfico possa ser usada contra os insurgentes.



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