São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO

Para Mahmoud al Zahar, o Hamas deve construir um sistema separado do israelense; manutenção de trégua dependerá do "inimigo"

Hamas não negocia com Israel, afirma líder

ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Israel é o inimigo, e não há nada a negociar com ele. Esta é a posição de Mahmoud al Zahar, um dos principais líderes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), vencedor das eleições legislativas palestinas de quarta-feira. Cercado de assessores e seguranças, Al Zahar recebeu a Folha ontem na entrada de sua ampla casa de cinco andares, situada no bairro de Al Sabra, reduto do Hamas no centro de Gaza.
Desde que dois líderes do grupo foram mortos no espaço de um mês por mísseis israelenses, em 2004, o Hamas evitou nomear oficialmente um novo chefe. Mas Al Zahar, 61, é freqüentemente apontado como o número um de um movimento responsável por inúmeros atentados terroristas e que, ao vencer por ampla margem as eleições palestinas, provocou um choque na região. A seguir, os principais trechos da entrevista de Al Zahar, cotado para ser o presidente do novo Parlamento palestino. (MARCELO NINIO)

 

Folha - O que muda com o Hamas no poder?
Mahmoud al Zahar -
A maior diferença entre o Hamas e o Fatah é a corrupção. O Fatah é profundamente corrupto, o Hamas, não. Agora podemos falar em eliminar a corrupção. Em segundo lugar, o Fatah lida com Israel como vizinho e parceiro. Nós consideramos Israel o ocupante que mata nosso povo, destrói nossas vidas e nos impede de viver como seres humanos. Qual a alternativa, em nossa visão? O mundo árabe e islâmico. Através dele faremos nosso contato com a comunidade internacional. O Fatah construiu uma forte ligação entre os sistema econômico palestino e o israelense, à custa do povo palestino. Nós não teremos nenhum contato econômico com Israel. O Fatah cooperou com Israel na área de segurança contra o Hamas. Nós jamais vamos cooperar com Israel contra qualquer palestino. Estabeleceremos um sistema autônomo em todas as áreas.

Folha - Como será a relação do governo do Hamas com Israel?
Al Zahar -
Israel matou nossos líderes, destruiu nossas casas e nossa agricultura. Os israelenses ocuparam nossas terras e um de nossos locais mais sagrados, Al Aqsa. Como podemos considerá-los vizinhos? Eles são nossos inimigos. E quem apoiar Israel também será considerado nosso inimigo.

Folha - As eleições palestinas foram resultado dos acordos de paz de Oslo, assinados pelo Fatah. A participação do Hamas não significa a aceitação desse processo?
Al Zahar -
Não. É preciso diferenciar um edifício do que há dentro dele. A Autoridade Nacional Palestina é um arcabouço político. Se dentro dele há membros que acreditam em Oslo, ele representa os acordos. Mas, se há pessoas que são contrárias a Oslo, o Parlamento será anti-Oslo. É como um copo: você pode enchê-lo de veneno ou de mel. Não o aceitamos porque ele considera os palestinos uma minoria étnica, enquanto nós somos os donos [do território].

Folha - Se depender do Hamas, não haverá negociação com Israel?
Al Zahar -
Negociar sobre o quê? Toda a imprensa está falando de negociação, como se ela fosse um fim em si mesmo. Se sentarmos com os israelenses, sobre o que vamos conversar? Israel não nos concederá o direito de retorno [dos refugiados], não sairá de Jerusalém, não desmantelará os assentamentos. O que estamos ouvindo [ruído de avião] são os jatos israelenses sobre nossas cabeças. Eles estão violando nossa independência. Para que conversar?

Folha - O que o sr. quer dizer quando afirma que a presença no Parlamento e a resistência armada não são uma contradição?
Al Zahar -
Se incentivamos nosso povo a defender seu território e seus interesses contra o estrangeiro, isso é resistência. Resistência não é só carregar armas. As pessoas que só usam armas falharam em satisfazer nossas exigências básicas, como o Fatah. Mas quem participa da resistência armada no contexto da resistência cultural ajuda a causa. Se por meio da assistência social nós apoiamos as famílias de prisioneiros, isso também é resistência. Portanto não há contradição entre a resistência e a atividade parlamentar.

Folha - Como o sr. vê a ameaça feita por EUA e União Européia antes da eleição de suspender a ajuda financeira aos palestinos caso o Hamas fizesse parte do governo?
Al Zahar -
Noventa por cento dessas doações foram para os bolsos dos corruptos, segundo o relatório da ActionAid [ONG britânica]. Portanto não fará diferença. Se quiserem nos dar dinheiro para a construção de hospitais e escolas, sem condições, serão bem-vindos. Mas, se impuserem condições às custas do nosso interesse nacional, rejeitaremos.

Folha - Como um governo do Hamas trabalhará junto com um presidente do Fatah?
Al Zahar -
Isso foi feito na França, por exemplo. O presidente era de um partido e o premiê de outro. Portanto não vejo problema. Nós temos uma agenda, e ela pode ser implementada com cooperação.

Folha - Há notícias de que o Hamas tem divisões internas e que alguns membros estariam dispostos a negociar com Israel. É verdade?
Al Zahar -
Diga um só nome de alguém do Hamas disposto a negociar com Israel. São rumores, reflexo da Autoridade Nacional Palestina, essa sim, profundamente dividida e desejosa de ver o Hamas na mesma situação. Mas não somos uma cópia do Fatah.

Folha - O Hamas continuará respeitando a trégua estabelecida em fevereiro de 2005?
Al Zahar -
Isso vai depender de Israel. Não estamos usando legítima defesa contra Israel porque gostamos. Fazemos isso porque sofremos.

Folha - O Hamas manterá o item de sua Constituição que prega a destruição de Israel?
Al Zahar -
O Hamas pode destruir o poder nuclear? [risos]


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