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CHOQUE NO ORIENTE MÉDIO
Para Mahmoud al Zahar, o Hamas deve construir um sistema separado do israelense; manutenção de trégua dependerá do "inimigo"
Hamas não negocia com Israel, afirma líder
ENVIADO ESPECIAL A GAZA
Israel é o inimigo, e não há nada
a negociar com ele. Esta é a posição de Mahmoud al Zahar, um
dos principais líderes do Movimento de Resistência Islâmica
(Hamas), vencedor das eleições
legislativas palestinas de quarta-feira. Cercado de assessores e seguranças, Al Zahar recebeu a Folha ontem na entrada de sua ampla casa de cinco andares, situada
no bairro de Al Sabra, reduto do
Hamas no centro de Gaza.
Desde que dois líderes do grupo
foram mortos no espaço de um
mês por mísseis israelenses, em
2004, o Hamas evitou nomear oficialmente um novo chefe. Mas Al
Zahar, 61, é freqüentemente
apontado como o número um de
um movimento responsável por
inúmeros atentados terroristas e
que, ao vencer por ampla margem
as eleições palestinas, provocou
um choque na região. A seguir, os
principais trechos da entrevista
de Al Zahar, cotado para ser o
presidente do novo Parlamento
palestino.
(MARCELO NINIO)
Folha - O que muda com o Hamas
no poder?
Mahmoud al Zahar - A maior diferença entre o Hamas e o Fatah é
a corrupção. O Fatah é profundamente corrupto, o Hamas, não.
Agora podemos falar em eliminar
a corrupção. Em segundo lugar, o
Fatah lida com Israel como vizinho e parceiro. Nós consideramos Israel o ocupante que mata
nosso povo, destrói nossas vidas e
nos impede de viver como seres
humanos. Qual a alternativa, em
nossa visão? O mundo árabe e islâmico. Através dele faremos nosso contato com a comunidade internacional. O Fatah construiu
uma forte ligação entre os sistema
econômico palestino e o israelense, à custa do povo palestino. Nós
não teremos nenhum contato
econômico com Israel. O Fatah
cooperou com Israel na área de
segurança contra o Hamas. Nós
jamais vamos cooperar com Israel contra qualquer palestino.
Estabeleceremos um sistema autônomo em todas as áreas.
Folha - Como será a relação do
governo do Hamas com Israel?
Al Zahar - Israel matou nossos líderes, destruiu nossas casas e nossa agricultura. Os israelenses ocuparam nossas terras e um de nossos locais mais sagrados, Al Aqsa.
Como podemos considerá-los vizinhos? Eles são nossos inimigos.
E quem apoiar Israel também será
considerado nosso inimigo.
Folha - As eleições palestinas foram resultado dos acordos de paz
de Oslo, assinados pelo Fatah. A
participação do Hamas não significa a aceitação desse processo?
Al Zahar - Não. É preciso diferenciar um edifício do que há dentro
dele. A Autoridade Nacional Palestina é um arcabouço político.
Se dentro dele há membros que
acreditam em Oslo, ele representa
os acordos. Mas, se há pessoas
que são contrárias a Oslo, o Parlamento será anti-Oslo. É como um
copo: você pode enchê-lo de veneno ou de mel. Não o aceitamos
porque ele considera os palestinos uma minoria étnica, enquanto nós somos os donos [do território].
Folha - Se depender do Hamas,
não haverá negociação com Israel?
Al Zahar - Negociar sobre o quê?
Toda a imprensa está falando de
negociação, como se ela fosse um
fim em si mesmo. Se sentarmos
com os israelenses, sobre o que
vamos conversar? Israel não nos
concederá o direito de retorno
[dos refugiados], não sairá de Jerusalém, não desmantelará os assentamentos. O que estamos ouvindo [ruído de avião] são os jatos
israelenses sobre nossas cabeças.
Eles estão violando nossa independência. Para que conversar?
Folha - O que o sr. quer dizer
quando afirma que a presença no
Parlamento e a resistência armada
não são uma contradição?
Al Zahar - Se incentivamos nosso
povo a defender seu território e
seus interesses contra o estrangeiro, isso é resistência. Resistência
não é só carregar armas. As pessoas que só usam armas falharam
em satisfazer nossas exigências
básicas, como o Fatah. Mas quem
participa da resistência armada
no contexto da resistência cultural ajuda a causa. Se por meio da
assistência social nós apoiamos as
famílias de prisioneiros, isso também é resistência. Portanto não
há contradição entre a resistência
e a atividade parlamentar.
Folha - Como o sr. vê a ameaça
feita por EUA e União Européia antes da eleição de suspender a ajuda
financeira aos palestinos caso o Hamas fizesse parte do governo?
Al Zahar - Noventa por cento
dessas doações foram para os bolsos dos corruptos, segundo o relatório da ActionAid [ONG britânica]. Portanto não fará diferença.
Se quiserem nos dar dinheiro para a construção de hospitais e escolas, sem condições, serão bem-vindos. Mas, se impuserem condições às custas do nosso interesse nacional, rejeitaremos.
Folha - Como um governo do Hamas trabalhará junto com um presidente do Fatah?
Al Zahar - Isso foi feito na França,
por exemplo. O presidente era de
um partido e o premiê de outro.
Portanto não vejo problema. Nós
temos uma agenda, e ela pode ser
implementada com cooperação.
Folha - Há notícias de que o Hamas tem divisões internas e que alguns membros estariam dispostos
a negociar com Israel. É verdade?
Al Zahar - Diga um só nome de
alguém do Hamas disposto a negociar com Israel. São rumores,
reflexo da Autoridade Nacional
Palestina, essa sim, profundamente dividida e desejosa de ver o
Hamas na mesma situação. Mas
não somos uma cópia do Fatah.
Folha - O Hamas continuará respeitando a trégua estabelecida em
fevereiro de 2005?
Al Zahar - Isso vai depender de
Israel. Não estamos usando legítima defesa contra Israel porque
gostamos. Fazemos isso porque
sofremos.
Folha - O Hamas manterá o item
de sua Constituição que prega a
destruição de Israel?
Al Zahar - O Hamas pode destruir o poder nuclear? [risos]
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