São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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Constituição dos palestinos não previa pluralismo

DO ENVIADO ESPECIAL A GAZA

A vitória do Hamas também pegou de surpresa a Constituição palestina. Fruto de conveniências políticas negociadas ao longo do conturbado processo de paz com Israel, que começou com os Acordos de Oslo, de 1993, a lei que rege as engrenagens do governo palestino não previa a coabitação entre um Parlamento de um partido e um presidente de outro. Agora o sistema terá que ser repensado.
Na prática, a Autoridade Nacional Palestina nasceu em 1994, quando Iasser Arafat pôs fim a um longo exílio entre Jordânia, Líbano e Tunísia e se estabeleceu em Gaza. Dois anos depois, os palestinos foram às urnas pela primeira vez, para eleger um Parlamento dominado quase inteiramente pelo Fatah. Em votação paralela, Arafat foi eleito presidente.
O sistema político palestino gravitava totalmente em torno de Arafat, que controlava com mão-de-ferro todas as instâncias da vida nos territórios autônomos. Além da presidência da ANP, Arafat acumulava ainda as lideranças da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e do Fatah.
Com o fracasso das negociações de Camp David, em 2000, e a chegada de Ariel Sharon ao poder em Israel, no ano seguinte, Arafat começou a ficar cada vez mais isolado. A recusa de Israel e EUA em negociar com ele levou à criação, em 2003, do cargo de primeiro-ministro, ocupado por Mahmoud Abbas, atual presidente. Em princípio, a divisão de poderes se daria da seguinte forma: Arafat ficaria com os assuntos domésticos; Abbas cuidaria da negociações internacionais. No entanto Abbas só durou sete meses no cargo.
Em substituição a Abbas, que renunciou, foi nomeado Ahmed Qorei, companheiro de longa data de Arafat. Abbas, porém, voltaria logo após a morte de Arafat, em novembro de 2004, para disputar sua sucessão como candidato do Fatah. Foi eleito com 62% dos votos em 2005. Qorei continuou como primeiro-ministro, e a divisão de poderes voltou à fórmula original, com Abbas responsável pela política externa.
Com a vitória do Hamas, que formará o novo gabinete e escolherá o primeiro-ministro, abre-se uma era de incerteza. Como Abbas dará prosseguimento às negociações de paz com Israel tendo como parceiro um partido cuja Constituição prega a destruição de Israel? "Ninguém previu uma situação como essa. É um choque completo", diz Khalil Abu Shanala, analista político e diretor do Centro de Direitos Humanos Aldameer, em Gaza. "O Hamas passará a cuidar dos assuntos administrativos e das finanças, mas Abbas será responsável por um assunto crucial, a negociação com Israel."
Uma grande incógnita envolve os serviços de segurança. Pela lei, eles estão submetidos ao gabinete, através do Ministério do Interior. Na prática, os serviços têm sido controlados diretamente pelo presidente. (MN)


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