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ANÁLISE
EUA perdem novamente com a "exportação" da democracia
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A vitória do Hamas nas eleições
palestinas representa uma nova
pancada na política americana de
espalhar a democracia pelo
Oriente Médio. Não que os regimes autocráticos tenham alguma
afinidade atávica com a região.
Mas a forma de fazê-lo -um modelo único para "clientes" de diferente porte histórico- mais uma
vez terminou com a vitória de um
grupo islâmico radical.
A receita já não vinha dando
certo no Iraque, no Líbano, na
Arábia Saudita e no Egito. E agora
também não deu entre os palestinos de Gaza e da Cisjordânia.
A Casa Branca e o Departamento de Estado não tinham o controle do processo eleitoral naqueles
territórios. Mas pressionaram para que o calendário fosse mantido. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, defendia adiar a votação, na previsão do desastre político que incorreria.
Queria mais tempo para retocar
a imagem profundamente degradada do Fatah e ter algo mais concreto em gestação em seu tênue e
bissexto diálogo com Israel, que
Washington por sua vez não pressionou para que lhe fizesse alguma concessão.
"O governo americano quer democracia e continua a interpretar
a sinfonia da democracia. Agora
precisa respeitar o resultado das
urnas", disse à Associated Press o
zombeteiro Ismail Haniyeh, ontem eleito deputado pelo Hamas.
Washington reage segundo a
idéia -teoricamente generosa-
de que só a democracia é capaz de
estabilizar os países do mundo islâmico e evitar que os Estados entrem em colapso, o que leva à
emergência de grupos terroristas.
Na prática, no entanto, o islamismo se tornou o canal para a
expressão de uma identidade
oprimida por ditaduras laicas que
os americanos e o Ocidente
apoiaram de modo incondicional
durante a Guerra Fria. Essas ditaduras funcionavam na geopolítica de Washington como anteparos ao comunismo.
O primeiro alarme foi dado pelo
Irã, em 1979. O regime xiita, um
dos mais obscurantistas na história da região, foi implantado ao
fim de um levante incontestavelmente popular. Um espanto.
Os outros exemplos são bem
mais recentes. O do Iraque é entre
eles o mais explosivo. Dilip Hiro,
ensaísta indiano radicado em
Londres, diz em texto postado anteontem no blog Tom Dispatch
que 80% dos deputados eleitos
em dezembro pelos xiitas iraquianos têm fortes vínculos com as
mesquitas. Proporção semelhante, segundo resultados finais divulgados no último dia 21, emergiu entre os deputados sunitas.
As eleições desejadas pela ocupação militar americana não foram, para os iraquianos, um passo na direção da democracia. Elas
acirraram tensões interétnicas e
abasteceram a guerra civil.
Hiro também cita o modelo
bastante limitado de abertura democrática que Washington pressiona para ser adotado na Arábia
Saudita. Pois bem: os wahabitas,
uma das comunidades mais sectárias do mundo islâmico, foram
os beneficiados na primeira eleição às câmaras municipais.
O Hizbollah -grupo com histórico terrorista- tornou-se o representante, legitimado pelas urnas, da comunidade xiita do Líbano. Os Estados Unidos pressionaram pelo fortalecimento eleitoral
dos grupos que se opunham à
presença da Síria naquele país.
Deu certo, mas só em parte. A nova maioria é liderada por um primeiro-ministro anti-Síria, Fouad
Siniora. Mas o fortalecimento do
pró-Síria Hizbollah chegou embutido no mesmo pacote.
No Egito, as pressões americanas para que o ditador Hosni Mubarak perfumasse seu regime
com um pouco de pluralismo levaram a Irmandade Muçulmana
a obter 88 das 150 cadeiras que
disputou nas últimas legislativas.
E só não disputou outras porque, se ganhasse, viraria a política
egípcia pelo avesso. A irmandade
é a matriz histórica do Hamas.
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