São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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"Mães" param vigílias após 25 anos

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Ontem em Buenos Aires, a principal associação que reúne as "Mães da Praça de Maio" encerrou às 18h (19h em Brasília) um ciclo de 25 anos das "Marchas da Resistência", vigílias de 24 horas de duração, diante da Casa Rosada, para cobrar o Estado argentino pelo desaparecimento de cerca de 30 mil pessoas durante a ditadura militar (1976-1983).
A jornada começou na tarde de quarta-feira e se encerrou ontem, quando as mães fizeram, num ritual ininterrupto há 1.500 semanas, a ronda de todas as quintas-feiras em torno do monumento central da Praça de Maio, coberto por fotos de filhos e parentes desaparecidos, faixas e cartazes.
Já eram mais de 23h de quarta e cerca de 30 mulheres, com lenços brancos na cabeça -o distintivo do movimento-, acompanhavam militantes de movimentos sociais, familiares e transeuntes da praça, num fluxo inconstante. Alguns faziam o percurso algumas vezes e deixavam a marcha.
No entorno, músicos se revezavam num palco, cantavam músicas de protesto (de tango a rock) atraindo passantes e mendigos.
Não havia multidão, mas um clima de comoção e despedida, embora a associação diga que as rondas continuarão. Para a ONG, não há motivo para que as mulheres, de 72 a 96 anos, façam vigília diante da Casa Rosada, pois "não há mais inimigos lá. Néstor Kirchner é amigo das mães".
Pelo valor histórico da decisão, e pelo simbólico -neste ano o golpe militar completa 30 anos-, a interrupção da marcha instalou um debate entre órgãos de direitos humanos, principalmente pelo conteúdo político da decisão.
A frase de apoio ao governo Kirchner, de Hebe Bonafini, líder da associação, era repetida pelas colegas e simpatizantes.
Durante uma pausa na ronda, Nadia Ricny, 79, lembrava: "Vamos levar adiante os ideais de nossos filhos, mesmo sem a marcha. Na Casa Rosada, está alguém que tem a idade que nossos filhos teriam, que foi um militante". O filho e a nora de Ricny foram levados de sua casa em 1979 e não houve mais notícias deles.
E se mudar o governo, as mães voltarão à vigília? "Se voltar o menemismo ou o governo de direita, voltamos à marcha", diz Ricny.
O movimento surgiu em 1977 unindo as mães de mortos e desaparecidos durante a ditadura e se transformou no principal cartão postal da resistência argentina -pelo menos até os "panelaços" da crise de 2002. Mas não é uno.
Desde 1986, um grupo de mães se desligou da liderança de Hebe Bonafini para criar a associação chamada "linha fundadora".
Há também as "Avós da Praça de Maio", que se dedicam a encontrar os netos e filhos de seqüestrados nascidos em cativeiro, a maioria entregues a famílias em falsos processos de adoção.
Tanto a "linha fundadora" como as "avós" criticam a decisão de interromper a marcha e, junto a outros organismos de direitos humanos, afirmam que seguirão com o protesto, e que não se pode diminuir a pressão sobre o governo. A mães da "linha fundadora" fizeram a "Marcha da Resistência" em dezembro último.
As associações, em geral, são simpáticas ao governo de Néstor Kirchner, que repete na Casa Rosada palavras de ordem do movimento ("Memória, Verdade e Justiça") e apoiou o fim das leis do perdão para crimes da repressão, no ano passado. A associação de Bonafini, porém, aproxima-se a movimentos sociais ligados ao kirchnerismo.


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